sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
O transporte público e o alto preço das passagens
16/1/2011 Por Filipe Celeti
Praticamente todos os grandes municípios vivem sérios problemas de transporte público. A cidade de São Paulo, em especial, tem vivido sérios problemas. Neste ano de 2011 a passagem dos ônibus atingiu o valor de R$ 3, tornando-se a mais cara do país. Estudantes, principalmente, tem se mobilizado em passeatas e manifestações contra o alto preço cobrado. Apesar das claras disparidades entre o valor cobrado, o número de usuários e a qualidade do serviço, as manifestações não apontam uma solução para o problema.
É certo que ao analisar o problema do transporte público pode-se perceber que a culpa é da gestão pública dos transportes. Entretanto, os governantes não erram apenas por tabelar o alto preço, em acordo com as empresas de transporte. Há diversas outras falhas no sistema de transportes públicos. Para evidenciá-las usarei o que conheço, enquanto morador, da cidade de São Paulo.
Primeiramente, a rede de ônibus é gerida pela SPTrans. De acordo com o site institucional do governo municipal, “as atividades operacionais são terceirizadas e executadas por empresas que foram contratadas por licitações públicas”¹. Deste modo, os ônibus pertencem a empresas privadas que concorrem entre si por intermédio de licitações. O problema das licitações está, além das possíveis fraudes para colaborar com empresas amigas, nas consequências de tal modelo. Empresas concorrem para ter um monopólio legitimado pelo governo municipal. Se não há concorrência enquanto se presta o serviço, é óbvio que a empresa vencedora não terá estímulos para a melhoria de sua frota. Porém, devido ao fato de dividirem a cidade em diversas regiões, e em cada uma dela haver mais de um empresa atuando, a prefeitura não considera que exista um monopólio. Mas, ao analisarmos de perto, podemos perceber que não há concorrência entre empresas pois a origem e o destino é sempre diferenciado, mesmo que percorram uma mesma parte do percurso.
A partir da crítica às licitações, dissemos que não há incentivo para a melhoria de um serviço, se não há concorrência deste serviço. Pensando nisto, a prefeitura arrumou uma forma de tampar o sol com uma peneira. A SPTrans, pensando na qualidade do serviço, têm como atividades “o planejamento, a programação e a fiscalização, além do incentivo ao desenvolvimento tecnológico”². Ora, se há tranquilidade para os “empresários” do transporte é preciso que algo incentive a melhoria do serviço. Isto é feito com incentivos, isto é, com subsídios da prefeitura.
A retórica da prefeitura é estranha, pois de acordo com eles a cifra que chegou a R$ 600 milhões é por causa dos estudantes, idosos e deficientes, que possuem desconto ou gratuidade na passagem³. É estranho que transportando 5 milhões e meio de passageiros por dia, as empresas ainda precisem de auxílios para suas frotas. Com a passagem a R$ 3, as empresas irão faturar juntas algo em torno de R$ 363 milhões por mês (apenas contando os dias úteis). É claro que apresentando estas cifras pode-se pensar que as manifestações estão certas em protestar contra um preço exorbitante.
Nós do Libertários (LIBER) defendemos algo diferente. Clamar pela “catraca livre”, isto é, pelo subsídio total no transporte público não é a solução. Nossos estudantes esquecem que com tudo subsidiado o transporte público ficará mais sucateado do que está. O que motiva um bom serviço ser prestado é a concorrência. Atrair clientes faz com que existam novidades e aumento de qualidade. Portanto, o que precisamos para o transporte coletivo é torná-lo realmente coletivo, isto é, é preciso que os indivíduos que formam a coletividade tomem para si a responsabilidade pelo transporte. Isto pode se dar da seguinte forma:
1 – Fim do monopólio: Com a ausência de licitações, toda empresa desejosa em prestar um serviço de transporte poderá planejar e decidir as suas rotas. A livre entrada no mercado de transportes aumentará a concorrência no setor, trazendo mais opções para os passageiros.
2 – Desregulamentação: É preciso que o governo não interfira no setor de transportes. Significa que cada empresa pode fixar o valor que desejar em suas tarifas. A liberdade na prestação do serviço trará novos modelos de veículos. Haverá maior variedade de preços e serviços.
3 – Carona: Há pouco tempo uma política propôs a “carona solidária”, porém não há maior incentivo para a carona do que a liberdade de qualquer um que possuir um veículo poder cobrar para transportar pessoas a determinados destinos. É a consequência da desregulamentação do setor de transportes.
Com uma sociedade na qual não há regulamentação de tarifas, itinerários e veículos, os únicos que iriam perder algo seriam as péssimos empreendedores e os políticos que trocam favores. Péssimas escolhas levariam empresas ruins à falência. Sobreviveria apenas quem pudesse prestar um bom serviço. Os estudantes que tanto reclamam do valor cobrado teriam um transporte de qualidade e com um preço menor. As possibilidades que surgiriam com a ausência de regras são muitas como: sistemas de cobrança de passagens debitados em conta corrente, valor da viagem de acordo com a distância percorrida ou até mesmo sorteio de transporte gratuito em promoções. A retirada do governo do setor de transporte público é o maior benefício público que se pode ter.
Antes de terminar, é preciso antecipar uma pergunta sobre o tema:
1 – Tais soluções não iriam piorar o trânsito? R: Não necessariamente. Talvez houvesse aumento no início da desregulamentação. Entretanto, com empresas concorrendo, os preços tendem a baixar. Preços mais baixos e veículos com maior qualidade e conforto tendem a incentivar o uso de tais transportes.
Notas:
1 - Disponível em: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/transportes/institucional/sptrans/index.php?p=3513
2 - Idem.
3 - Número de acordo com o publicado no Jornal da Tarde em 29 de novembro de 2010. Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/jt-cidades/kassab-da-mais-de-60-mi-em-subsidios/
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Duguit, Léon (1859-1928)
Pofessor em Bordéus. Começa por ser especialmente marcado pelo organicismo evolucionista, à maneira de Spencer, como se reflecte em Droit Contitutionnel et Sociologie [1883] e em Des Fonctions de l'État Moderne [1894]. Numa segunda fase, a partir de 1901, evolui para um sociologismo experimentalista, influenciado por Durkheim, como se nota em L'État, le Droit Objectif et la Loi Positive [1901], L'État, le Gouvernement et les Agents [1903] e na primeira edição do Traité de Droit Constitutionnel [1911]. Numa terceira fase, já nos anos vinte, adopta a filosofia solidarista e aquilo que qualificou como sindicalismo integral, admitindo uma correcção ao respectivo realismo pelo idealismo de valores como o da justiça, o que se reflecte na segunda edição do Traité [1921]. É então que assume a defesa de uma concepção social de direito em nome do respectivo aspecto objectivista e realista. Critica os modelos da teoria geral do Estado, defensores da soberania absoluta do Estado, assumindo a defesa jurídica do solidarismo. Vive-se o ambiente posterior ao caso Dreyfus, assiste-se ao nascente sindicalismo e à defesa da descentralização territorial.
Considera que a personalidade do Estado é uma ficção. O Estado está submetido à lei e o fundamento desta é a solidariedade social, algo que não é uma criação da lei e que é superior e anterior ao Estado. Dá enfâse aos deveres do Estado em vez dos simples direitos do Estado. Serviço público em vez de soberania. Responsabilidades do Estado. Funções de polícia e defesa do fomento e do bem-estar.
Para Duguit, a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada – uma autoridade política (Os Fundamentos do Direito, trad. port., Lisboa, Inquérito, 1939, p. 30). Se aceita a teoria do Estado‑Força, quando reconhece que o que aparece em primeiro plano no Estado é o seu poderio material, a sua força irresistível de constrangimento, e que o Estado é força, não há Estado senão quando num país há uma força material irresistível. Assinala, contudo, que, ao contrário dos autores alemães do Macht‑Staat, esta força irresistível do Estado é regulada e limitada pelo Direito. É que uma construção jurídica não tem valor senão quando exprime, em linguagem abstracta, uma realidade social, fundamento de uma regra de conduta ou de uma instituição política. A construção jurídica do Estado só terá, pois, valor se for a expressão, em fórmulas abstractas, de realidades concretas. A teoria do Estado‑Pessoa e da Soberania‑Direito não satisfaz, de modo nenhum, estas condições, pois implica a ideia de que o Estado é uma personalidade distinta dos individuos que o constituem e que essa personalidade é dotada de uma vontade superior, pela sua essência, a todas as vontades individuais e colectivas que se manifestam num determinado território, constituindo essa superioridade de vontade a Soberania‑Direito. Ora tudo isto são puras concepções do espírito sem nenhuma espécie de realidade positiva (Traité de Droit Constitutionnel, I, pp. 47 ss.).
Reconhecer o Estado como Força é, para o autor em análise, uma atitude realista que o afasta do idealismo, mas salientar o facto do Estado se subordinar ao Direito significa que a força, porque é força, não pode fundar o direito, mas apenas submeter‑se‑lhe. Assim, considera que a soberania é um simples poder de vontade comandante, uma vontade superior a todas as outras vontades existentes num determinado território, pelo que as relações entre a vontade soberana e as vontades não soberanas são necessariamente desiguais, dado existir uma vontade superior e outras vontades subordinadas.
A soberania é assim concebida como um poder de vontade independente e unificado. Porque, em primeiro lugar, não deriva de nenhuma outra vontade que lhe seja superior, dado ser a competência da sua competência; em segundo lugar, porque a soberania é una, atendendo a que num mesmo território não pode haver outra vontade soberana. Logo, a soberania tem de ser indivisível, inalienável e imprescritível.
Duguit, com efeito, considera que o Estado não é uma pessoa colectiva soberana, mas muito simplesmente uma sociedade na qual um ou vários indivíduos designados como governantes possuem poderio político, isto é, um poder de constrangimento irresistível; o exercício deste poder de constrangimento é legítimo, quando visa realizar os deveres que incumbem aos governantes.
Mas um governo não existe e não pode manter‑se senão quando se apoia em certos elementos de força existentes no país e quando, por outro lado, cumpre uma missão social que se impõe a todos, isto é, desenvolver a solidariedade social.
Contudo, os governantes não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito, isto é, têm de se abster de qualquer acto que leve a um atentado contra a solidariedade social e o sentimento de justiça. Estão, assim, limitados negativamente e positivamente, pelo direito: negativamente, porque não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito; positivamente, porque são obrigados a cooperar com a solidariedade social.
Noutra formulação, Duguit refere o Estado como uma cooperação de serviços públicos, onde a actividade de prestação é mais importante do que a dominação. Neste perfil do Estado como gestor, Duguit, como assinala Châtelet, vai abrir as portas ao intervencionismo do Estado Providência ultrapassando os preconceitos do laissez faire do Estado Liberal (Les Concéptions Politiques du XXe Siècle, p. 655).
Saliente‑se que para Duguit o homem é por natureza um ser social e os seus actos não têm valor senão na medida em que são actos sociais, quer dizer , actos que tendem à realização da solidariedade social e têm tanto mais valor quanto lhe tragam uma contribuição maior. Considera assim que a regra de direito é uma criação espontânea do meio social, da consciência social ou, se se preferir, da soma das consciências individuais.
– Estado como facto,91,599 –Estado,102,693 –Nação,65,426 –Obediência,55,355–Poder,54,339 Em 28 e 29 de Novembro de 1923, Léon Duguit profere conferências na Faculdade de Direito de Lisboa: Les Grandes Doctrines Juridiques et le Pragmatisme. Em 7 de Dezembro, o deão de Bordéus transforma-se no primeiro doutor honoris causa da escola. Sérgio há-de chamar-lhe um conferente de filosofia superficial, sem uma profunda compreensão dos problemas da filosofia, não conseguindo assentar o seu discurso numa noção suficientemente exacta do conceito. Uma das consequências das teses do Estado-Força é a escola realista francesa de Léon Duguit (1859-1928), para quem a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada — uma autoridade política. Duguit, com efeito, considera que o Estado não é uma pessoa colectiva soberana, mas muito simplesmente uma sociedade na qual um ou vários indivíduos designados como governantes possuem poderio político, isto é, um poder de constrangimento irresistível; o exercício deste poder de constrangimento é legítimo, quando visa realizar os deveres que incumbem aos governantes. Mas um governo não existe e não pode manter-se senão quando se apoia em certos elementos de força existentes no país e quando, por outro lado, cumpre uma missão social que se impõe a todos, isto é, desenvolver a solidariedade social. Contudo, os governantes não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito, isto é, têm de se abster de qualquer acto que leve a um atentado contra a solidariedade social e o sentimento de justiça. Estão, assim, limitados negativamente e positivamente, pelo direito: negativamente, porque não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito; positivamente, porque são obrigados a cooperar com a solidariedade social. Porque o Estado é a força, mas força subordinada a uma regra de direito superior a ele, força que só legitimamente se impõe quando actua em conformidade com essa regra de direito. Se aceita a teoria do Estado-Força, quando reconhece que o que aparece em primeiro plano no Estado é o seu poderio material, a sua força irresistível de constrangimento, e que o Estado é força, não há Estado senão quando num país há uma força material irresistível, logo assinala, ao contrário dos autores alemães do Macht‑Staat, que esta força irresistível do Estado é regulada e limitada pelo Direito. Neste sentido, considera que uma construção jurídica não tem valor senão quando exprime, em linguagem abstracta, uma realidade social, fundamento de uma regra de conduta ou de uma instituição política. A construção jurídica do Estado só terá, pois, valor se for a expressão, em fórmulas abstractas, de realidades concretas. A teoria do Estado-Pessoa e da Soberania-Direito não satisfaz, de modo nenhum, estas condições, pois implica a ideia de que o Estado é uma personalidade distinta dos individuos que o constituem e que essa personalidade é dotada de uma vontade superior, pela sua essência, a todas as vontades individuais e colectivas que se manifestam num determinado território, constituindo essa superioridade de vontade a Soberania-Direito. Ora tudo isto são puras concepções do espírito sem nenhuma espécie de realidade positiva. Reconhecer o Estado como Força é, para o autor em análise, uma atitude realista que o afasta do idealismo, mas salientar o facto do Estado se subordinar ao Direito significa que a força, porque é força, não pode fundar o direito, mas apenas submeter-se-lhe. Esta concepção realista não aceita, pois, a visão do Estado como pessoa colectiva, o dogma da soberania alienável e divisível, bem como a chamada auto-limitação do Estado. Para ele, a soberania é um simples poder de vontade comandante, uma vontade superior a todas as outras vontades existentes num determinado território, pelo que as relações entre a vontade soberana e as vontades não soberanas são necessariamente desiguais, dado existir uma vontade superior e outras vontades subordinadas. A soberania é, assim, concebida como um poder de vontade independente e unificado. Porque, em primeiro lugar, não deriva de nenhuma outra vontade que lhe seja superior, dado ser a competência da sua competência; em segundo lugar, porque a soberania é una, atendendo a que num mesmo território não pode haver outra vontade soberana. Logo, a soberania tem de ser indivisível, inalienável e imprescritível.
Considera que a personalidade do Estado é uma ficção. O Estado está submetido à lei e o fundamento desta é a solidariedade social, algo que não é uma criação da lei e que é superior e anterior ao Estado. Dá enfâse aos deveres do Estado em vez dos simples direitos do Estado. Serviço público em vez de soberania. Responsabilidades do Estado. Funções de polícia e defesa do fomento e do bem-estar.
Para Duguit, a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada – uma autoridade política (Os Fundamentos do Direito, trad. port., Lisboa, Inquérito, 1939, p. 30). Se aceita a teoria do Estado‑Força, quando reconhece que o que aparece em primeiro plano no Estado é o seu poderio material, a sua força irresistível de constrangimento, e que o Estado é força, não há Estado senão quando num país há uma força material irresistível. Assinala, contudo, que, ao contrário dos autores alemães do Macht‑Staat, esta força irresistível do Estado é regulada e limitada pelo Direito. É que uma construção jurídica não tem valor senão quando exprime, em linguagem abstracta, uma realidade social, fundamento de uma regra de conduta ou de uma instituição política. A construção jurídica do Estado só terá, pois, valor se for a expressão, em fórmulas abstractas, de realidades concretas. A teoria do Estado‑Pessoa e da Soberania‑Direito não satisfaz, de modo nenhum, estas condições, pois implica a ideia de que o Estado é uma personalidade distinta dos individuos que o constituem e que essa personalidade é dotada de uma vontade superior, pela sua essência, a todas as vontades individuais e colectivas que se manifestam num determinado território, constituindo essa superioridade de vontade a Soberania‑Direito. Ora tudo isto são puras concepções do espírito sem nenhuma espécie de realidade positiva (Traité de Droit Constitutionnel, I, pp. 47 ss.).
Reconhecer o Estado como Força é, para o autor em análise, uma atitude realista que o afasta do idealismo, mas salientar o facto do Estado se subordinar ao Direito significa que a força, porque é força, não pode fundar o direito, mas apenas submeter‑se‑lhe. Assim, considera que a soberania é um simples poder de vontade comandante, uma vontade superior a todas as outras vontades existentes num determinado território, pelo que as relações entre a vontade soberana e as vontades não soberanas são necessariamente desiguais, dado existir uma vontade superior e outras vontades subordinadas.
A soberania é assim concebida como um poder de vontade independente e unificado. Porque, em primeiro lugar, não deriva de nenhuma outra vontade que lhe seja superior, dado ser a competência da sua competência; em segundo lugar, porque a soberania é una, atendendo a que num mesmo território não pode haver outra vontade soberana. Logo, a soberania tem de ser indivisível, inalienável e imprescritível.
Duguit, com efeito, considera que o Estado não é uma pessoa colectiva soberana, mas muito simplesmente uma sociedade na qual um ou vários indivíduos designados como governantes possuem poderio político, isto é, um poder de constrangimento irresistível; o exercício deste poder de constrangimento é legítimo, quando visa realizar os deveres que incumbem aos governantes.
Mas um governo não existe e não pode manter‑se senão quando se apoia em certos elementos de força existentes no país e quando, por outro lado, cumpre uma missão social que se impõe a todos, isto é, desenvolver a solidariedade social.
Contudo, os governantes não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito, isto é, têm de se abster de qualquer acto que leve a um atentado contra a solidariedade social e o sentimento de justiça. Estão, assim, limitados negativamente e positivamente, pelo direito: negativamente, porque não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito; positivamente, porque são obrigados a cooperar com a solidariedade social.
Noutra formulação, Duguit refere o Estado como uma cooperação de serviços públicos, onde a actividade de prestação é mais importante do que a dominação. Neste perfil do Estado como gestor, Duguit, como assinala Châtelet, vai abrir as portas ao intervencionismo do Estado Providência ultrapassando os preconceitos do laissez faire do Estado Liberal (Les Concéptions Politiques du XXe Siècle, p. 655).
Saliente‑se que para Duguit o homem é por natureza um ser social e os seus actos não têm valor senão na medida em que são actos sociais, quer dizer , actos que tendem à realização da solidariedade social e têm tanto mais valor quanto lhe tragam uma contribuição maior. Considera assim que a regra de direito é uma criação espontânea do meio social, da consciência social ou, se se preferir, da soma das consciências individuais.
– Estado como facto,91,599 –Estado,102,693 –Nação,65,426 –Obediência,55,355–Poder,54,339 Em 28 e 29 de Novembro de 1923, Léon Duguit profere conferências na Faculdade de Direito de Lisboa: Les Grandes Doctrines Juridiques et le Pragmatisme. Em 7 de Dezembro, o deão de Bordéus transforma-se no primeiro doutor honoris causa da escola. Sérgio há-de chamar-lhe um conferente de filosofia superficial, sem uma profunda compreensão dos problemas da filosofia, não conseguindo assentar o seu discurso numa noção suficientemente exacta do conceito. Uma das consequências das teses do Estado-Força é a escola realista francesa de Léon Duguit (1859-1928), para quem a palavra Estado designa toda a sociedade humana em que existe diferenciação política, diferenciação entre governantes e governados, segundo a expressão consagrada — uma autoridade política. Duguit, com efeito, considera que o Estado não é uma pessoa colectiva soberana, mas muito simplesmente uma sociedade na qual um ou vários indivíduos designados como governantes possuem poderio político, isto é, um poder de constrangimento irresistível; o exercício deste poder de constrangimento é legítimo, quando visa realizar os deveres que incumbem aos governantes. Mas um governo não existe e não pode manter-se senão quando se apoia em certos elementos de força existentes no país e quando, por outro lado, cumpre uma missão social que se impõe a todos, isto é, desenvolver a solidariedade social. Contudo, os governantes não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito, isto é, têm de se abster de qualquer acto que leve a um atentado contra a solidariedade social e o sentimento de justiça. Estão, assim, limitados negativamente e positivamente, pelo direito: negativamente, porque não podem fazer nada que seja contrário à regra do direito; positivamente, porque são obrigados a cooperar com a solidariedade social. Porque o Estado é a força, mas força subordinada a uma regra de direito superior a ele, força que só legitimamente se impõe quando actua em conformidade com essa regra de direito. Se aceita a teoria do Estado-Força, quando reconhece que o que aparece em primeiro plano no Estado é o seu poderio material, a sua força irresistível de constrangimento, e que o Estado é força, não há Estado senão quando num país há uma força material irresistível, logo assinala, ao contrário dos autores alemães do Macht‑Staat, que esta força irresistível do Estado é regulada e limitada pelo Direito. Neste sentido, considera que uma construção jurídica não tem valor senão quando exprime, em linguagem abstracta, uma realidade social, fundamento de uma regra de conduta ou de uma instituição política. A construção jurídica do Estado só terá, pois, valor se for a expressão, em fórmulas abstractas, de realidades concretas. A teoria do Estado-Pessoa e da Soberania-Direito não satisfaz, de modo nenhum, estas condições, pois implica a ideia de que o Estado é uma personalidade distinta dos individuos que o constituem e que essa personalidade é dotada de uma vontade superior, pela sua essência, a todas as vontades individuais e colectivas que se manifestam num determinado território, constituindo essa superioridade de vontade a Soberania-Direito. Ora tudo isto são puras concepções do espírito sem nenhuma espécie de realidade positiva. Reconhecer o Estado como Força é, para o autor em análise, uma atitude realista que o afasta do idealismo, mas salientar o facto do Estado se subordinar ao Direito significa que a força, porque é força, não pode fundar o direito, mas apenas submeter-se-lhe. Esta concepção realista não aceita, pois, a visão do Estado como pessoa colectiva, o dogma da soberania alienável e divisível, bem como a chamada auto-limitação do Estado. Para ele, a soberania é um simples poder de vontade comandante, uma vontade superior a todas as outras vontades existentes num determinado território, pelo que as relações entre a vontade soberana e as vontades não soberanas são necessariamente desiguais, dado existir uma vontade superior e outras vontades subordinadas. A soberania é, assim, concebida como um poder de vontade independente e unificado. Porque, em primeiro lugar, não deriva de nenhuma outra vontade que lhe seja superior, dado ser a competência da sua competência; em segundo lugar, porque a soberania é una, atendendo a que num mesmo território não pode haver outra vontade soberana. Logo, a soberania tem de ser indivisível, inalienável e imprescritível.
Considerações gerais acerca do direito subjetivo
Sumário: 1. Introdução; 2. O Que é Direito Subjetivo (A Dicotomia entre Direito Subjetivo e Direito Objetivo); 2.1 – O Dever Subjetivo; 3. As Teorias Acerca do Direito Subjetivo; 3.1 – A Teoria da Vontade de Windscheid; 3.2 – A Teoria do Interesse de Ihering; 3.3 – A Teoria Mista de Jellinek; 4. As Teorias Negativistas do Direito Subjetivo de Hans Kelsen e Léon Duguit; 5. A Relação Jurídica, seus Elementos e sua Ligação com o Direito Subjetivo; 5.1 – A Subjetividade e a Capacidade de ter direitos; 5.2 – A Relação do Direito Subjetivo com as Situações Jurídicas Subjetivas; 6. Considerações Finais; 7. Notas Bibliográficas.
1. Introdução
Este é um trabalho que tem por finalidade detalhar o estudo de um tema complexo, mas muito importante da teoria geral do direito.
Procuramos ao longo deste ensaio reunir as opiniões e os ensinamentos de grandes teóricos do direito, o que nos possibilitou uma visão global acerca do tema, aprofundando dessa forma, o nosso conhecimento sobre o direito subjetivo. No mundo jurídico atual impera a tecnicidade dos juristas que cada vez menos estão comprometidos em dar ao direito uma aplicação mais justa e social. Temos, portanto, de destacar a importância de se dar mais ênfase aos temas da teoria geral do direito.
Nesta humilde obra, procuramos mostrar, principalmente, o significado do direito subjetivo, suas origens, evolução teórica e sua forma de consecução.
Como em qualquer trabalho científico, nas primeiras linhas deste ensaio tentamos definir da melhor forma possível o conceito do nosso objeto de estudo – o direito subjetivo – reunindo os mais conceituados doutrinadores do direito como já dissemos. Após conceituarmos o direito subjetivo demonstraremos o debate teórico de juristas como Jellinek, Windscheid e Ihering na tentativa de explicar a natureza jurídica do direito subjetivo.
Falaremos também das opiniões contrárias à existência do direito subjetivo de Léon Duguit e Hans Kelsen, onde teremos a oportunidade observar o objetivismo de Hans Kelsen quando afirma que o direito subjetivo tem sua gênese no direito objetivo, ou seja, de um dado e pronto; e as declarações de Léon Duguit ao defender a idéia de que o direito corresponde à uma situação jurídica subjetiva.
Concluindo nossa pesquisa, teceremos alguns comentários ainda sobre a correlação de dependência do direito subjetivo com as chamadas situações jurídicas subjetivas, não esquecendo de falar a respeito da relação jurídica e seus elementos, a qual, como veremos, se constitui no meio através do qual o direito subjetivo se concretiza.
Por fim, ressaltamos mais uma vez aqui a importância de se estudar este tema da introdução ao estudo do direito para podermos, com ele, entendermos de forma mais aprofundada a origem de nossos direitos bem como as ditas relações intersubjetivas que tanto faz parte da vida do ser humano em sociedade.
2. O Que é Direito Subjetivo (A Dicotomia entre Direito Subjetivo e Direito Objetivo).
Da palavra direito podemos tirar vários significados semânticos para exprimir diversas situações. Podemos usa-la para apontar uma determinada conduta que não se encontra de acordo com os bons costumes, por exemplo, quando dizemos: "isto não é direito!" ou quando nos referimos a um conjunto de normas que regem a vida em sociedade – o direito constitucional brasileiro, por exemplo – e também quando queremos expressar um poder que nos é inerente: "eu tenho direito à propriedade, à vida, à saúde etc."
É neste contexto que encontramos a definição do direito subjetivo; ou seja, o direito subjetivo nada mais é do que um poder e uma faculdade advindos de uma regra interposta pelo Estado na proteção dos interesses coletivos. Por isso podemos afirmar, a exemplo de Washington de Barros Monteiro que o direito objetivo é o conjunto das regras jurídicas; direito subjetivo é o meio de satisfazer interesses humanos (hominum causa omne jus constitutum sit). O segundo deriva do primeiro. [1]
Direito objetivo corresponde à norma agendi, enquanto o direito subjetivo à facultas agendi, em outros termos, este último apresenta-se como uma faculdade que o titular deste tem de usa-lo ou não na proteção do bem jurídico garantido pela norma agendi, podendo até mesmo dispô-lo, pois este tipo de direito tem como prerrogativa sua a potencialidade de uso ou não pelo seu titular. [2] Assim como o direito subjetivo está na sua possibilidade e potencialidade de uso, está também no seu exercício efetivo; neste diapasão, segundo Luiz Antônio Rizzatto Nunes, surge uma discussão doutrinária que trata da possibilidade do exercício do direito subjetivo através da ameaça feita pelo seu titular, pois segundo o doutrinador: "Entende a doutrina, fundamentada no Código Civil, que a ameaça de exercício efetivo de direito subjetivo não constitui ato ilícito, sendo considerada exercício regular de direito. Leia-se o teor do art. 160, I, do CC (No Código Civil de 2002 corresponde ao art. 188, I): Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido".
"Pode-se, por isso, ampliar o conceito para dizer que o direito subjetivo é não só a potencialidade e o exercício como também o uso da ameaça deste". [3]
Tais conceitos, todavia, não podem ser estudados separadamente, fazem parte de um todo, de um único fenômeno, os dois ângulos de visão do jurídico. Um é o aspecto individual, outro o aspecto social como bem define Caio Mário. [4] Entretanto, devemos ter cautela ao afirmar que o direito subjetivo apresenta-se como a facultas agendi em si. Quem melhor nos alerta para esta questão é Maria Helena Diniz ao afirmar que as faculdades humanas não são direitos, e sim qualidades próprias do ser humano que independem de norma jurídica para a sua existência. [5]
A tarefa da norma agendi apenas seria regulamentar o uso dessas faculdades, segundo a eminente professora; logo, o uso dessas faculdades é lícito ou ilícito, conforme for permitido ou proibido. Neste caso, o direito subjetivo apresentar-se-ia como a permissão para o uso das faculdades humanas, ou seja, a facultas agendi é anterior ao direito subjetivo. [6] Segundo a mesma autora, estas permissões – dadas por meio de normas jurídicas – podem ser explícitas ou implícitas. As primeiras são identificáveis quando as normas de direito as mencionam expressamente, por exemplo, o consentimento dado aos maiores de idade para praticarem atos da vida civil; as segundas são quando as normas de direito não se referem a elas de modo expresso, todavia regula o seu uso, tomemos como exemplo dessas últimas as permissões de fazer, de não fazer, de ter e de não ter. [7]
Encerrando a nossa conceituação de direito subjetivo, devemos fazer menção a uma classificação feita deste direito de forma oportuna por Caio Mário da Silva Pereira.
Dentre as diversas classificações acerca deste direito, feita pelo autor, a que mais nos chama a atenção é a relacionada à generalidade e à restrição dos efeitos dos direitos subjetivos. Os direitos subjetivos, considerados intrinsecamente, conforme leciona o autor, são absolutos e relativos. Absolutos são aqueles direitos subjetivos os quais traduzem uma relação oponível à generalidade dos indivíduos, sem a especificação de sua exigibilidade contra um sujeito determinado, apresentando como um dever geral negativo; relativos são os direitos subjetivos quando o dever jurídico, ao contrário dos absolutos, é imposto a um determinado sujeito passivo, não importando ser este sujeito uma única pessoa ou um grupo de indivíduos, contanto que sejam estes determinados ou passíveis de determinação. [8] Podemos citar aqui alguns exemplos de ambas classificações como o direito de propriedade, por exemplo, que se constitui em um direito subjetivo absoluto; ou como o direito de crédito, apresentando-se como um direito subjetivo relativo.
2.1 – O Dever Subjetivo
O conceito de dever subjetivo não pode ser estudado em apartado ao conceito de obrigação. Giuseppe Lumia define obrigação como o dever jurídico de ter aquele comportamento que alguém está legitimado a pretender de nós; obrigação e pretensão para ele caminham juntas e são oriundas de uma mesma fonte: o ordenamento jurídico, o qual ao atribuir a um sujeito uma pretensão, impõe ao outro o dever (jurídico, e não somente moral) de ter um comportamento conforme à pretensão do primeiro. [9] O mesmo autor fala a respeito das obrigações naturais, que são aquelas não tuteladas por via do direito de ação, mas por via de exceção, ou seja, obrigações sobre as quais não pairam nenhum dever legal de prestação. [10]
Um e outro – dever e obrigação – correspondem ao sentido oposto de direito subjetivo, se assim podemos dizer, mas com significados diferentes os quais analisaremos mais adiante; inicialmente, cabe-nos diferenciar, sinteticamente, o dever do direito subjetivo.
Primordialmente, para todo direito subjetivo existe outro que o limita, e é desta afirmação que se percebe o linguajar popular: "Seu direito termina quando começa o meu". Neste caso, trata-se de um dever comum, qual seja, respeitar os direitos alheios; em contrapartida, o que nos interessa é identificar um dever subjetivo, e este tem como fonte as normas jurídicas objetivas. Já dizia Rizzatto Nunes "A noção de dever, e, o que nos interessa, dever subjetivo, é imanente ao conjunto de normas jurídicas objetivas". [11] Tal dever corresponde a um limite intrínseco a cada direito subjetivo. Se excedermos tais limites, este direito subjetivo pode vir a ser taxado de abusivo. Em outros termos, o dever subjetivo tem sua gênese na norma a qual expõe os limites ao exercício do direito subjetivo.
A palavra dever, segundo os ensinamentos de Tércio Sampaio Ferraz Júnior serve para expressar a obrigação como um vínculo, ou em termos de uma força moral. [12]Por esse motivo é que não podemos nos desvencilhar do conceito de obrigação no estudo do dever.
Ainda de acordo com Ferraz Júnior, a idéia de dever atua como um motivo para o comportamento lícito que se cumpre, primariamente, não por temor de sanções, mas por respeito desinteressado ao direito. [13]Portanto, esta afirmativa vem a reforçar o nosso entendimento transcrito em linhas anteriores a respeito do dever comum e do dever subjetivo. O primeiro constitui um respeito desinteressado ao direito de outrem enquanto o dever subjetivo é um dever imposto pela norma e tem o intuito de não tornar o uso do direito subjetivo de forma abusiva, limitando-o desta maneira.
Um exemplo claro desta diferença podemos encontrar no direito de propriedade. É dever comum nosso respeitar o direito subjetivo à propriedade de terceiros; por outro lado é dever subjetivo do titular deste mesmo direito usa-lo dentro dos limites impostos pela norma para evitar possíveis abusos no seu exercício; por exemplo, é um dever subjetivo usar da propriedade para buscar os fins sociais a que ela se destina (Art. 5º, XXIII – CF/88; Art. 1.228, §§ 1º e 2º/CC).
Por fim, o que pretendíamos aqui neste pequeno intróito do nosso estudo era conceituar de forma clara, precisa e esmiuçada o conceito de direito subjetivo para que possamos ter ao final deste trabalho uma ciência bem mais sistematizada e esclarecedora acerca do direito subjetivo.
3. As Teorias Acerca do Direito Subjetivo
Três são as teorias, formuladas pelos juristas Jellinek, Windscheid e Ihering, que tentaram explicar a natureza jurídica do direito subjetivo, todavia nenhuma delas conseguiu esgotar satisfatoriamente as discussões sobre o que vem a ser o direito subjetivo e de que fonte o mesmo insurgiu. Em conformidade com Ferraz Júnior, a questão em torno da qual se empenham é saber se o direito subjetivo constitui também um dado por si (a exemplo do direito objetivo) ou se, contrariamente, é elaborado ou se faz nascer do direito objetivo. [14]
Vejamos agora a essência de cada teoria bem como as suas respectivas críticas quanto à formulação de um conceito preciso acerca do direito subjetivo.
3.1 – A Teoria da Vontade de Windscheid
Para os adeptos desta corrente o direito subjetivo seria o poder da vontade humana garantido pelo ordenamento jurídico. Esta vontade corresponde ao que Ferraz Júnior chama de "um dado existencial", sendo parte integrante da natureza humana o poder de escolha ao mesmo tempo em que se apresenta como sendo o ponto diferenciador do homem em relação aos demais animais. [15]
No entanto, esta vontade não pode ser elemento único de diferenciação entre homens e animais irracionais, pois mesmo sem possuir vontade própria por vezes, o ser humano não deixa de ter esse adjetivo – o humano – pela ausência da vontade. Diante desta afirmação nos questionamos: os loucos, os surdos-mudos e os menores incapazes para a prática da vida civil, não são sujeitos de direitos? A eles não são reconhecidos, por exemplo, os direitos subjetivos da propriedade, de ação etc? Obviamente que são, embora sejam protegidos por outrem.
É exatamente neste ponto que reside a principal crítica a esta teoria. Em conformidade coma teoria da garantia citada na obra de Ferraz Júnior, o direito subjetivo não teria por base a vontade, mas a possibilidade de fazer a garantia da ordem jurídica tornar efetiva a proteção do direito. Para o renomado professor, esta teoria garantista torna o direito subjetivo algo semelhante com a proteção da liberdade conferida pelo direito objetivo. [16]
Outras objeções a esta teoria foram feitas, além da supra mencionada. Dentre elas está aquela que defende a existência do direito subjetivo independentemente da vontade do seu titular, por exemplo, o direito de propriedade decorrente de herança, onde o herdeiro ignora a abertura da sucessão pela morte do descendente; ou até mesmo a propriedade mediante testamento.
Existe também uma confusão que é feita entre o próprio direito e o exercício do mesmo esclarecido por Maria Helena Diniz. Segundo a autora, só para este (o exercício do direito) é que a vontade do sujeito será indispensável. [17]
Admitindo a pertinência destas críticas, o próprio Windscheid, mentor desta teoria, procurou dar uma outra roupagem ao termo vontade esclarecendo que este não deve ser empregado no sentido psicológico, mas sim em sentido lógico, como vontade normativa, ou seja, como poder jurídico do querer. [18]
3.2 – A Teoria do Interesse de Ihering
Esta teoria afirma que a natureza jurídica do direito subjetivo está no interesse juridicamente protegido. Contrária à teoria de Windscheid, a idéia de Ihering é calcada em dois elementos constitutivos do princípio do direito subjetivo.
O primeiro elemento em caráter substancial que, de acordo com Caio Mário, se situa na sua finalidade prática, ou seja, na sua utilidade, sua vantagem ou no interesse. O elemento subseqüente tem caráter formal o qual apresenta-se como o meio para a efetivação do primeiro, correspondendo à proteção judicial por meio da ação. [19]
Crítica ferrenha à teoria da vontade, a teoria do interesse ressalta a possibilidade de haver interesse em determinados direitos mesmo sem existir o elemento volitivo, como o já citado exemplo dos surdos-mudos, loucos e menores (Item 3.1). Todavia, esta crítica à teria em comento tem lá suas falhas, pois como dizia Washington de Barros Monteiro "Direitos existem que dificilmente se ligarão a um interesse, assim como também interesses há que logram obter tutela e proteção do direito". [20]
Na concepção de Caio Mário, esta teoria peca no sentido de que para o autor: "Existe, então, no direito subjetivo um poder de ação que está à disposição do seu titular, e que não depende do exercício, da mesma forma que o indivíduo capaz e conhecedor do seu direito poderá conservar-se inerte, sem realizar o poder de vontade, e, ainda assim, é portador dele". [21]
Da mesma maneira, como bem lembra Maria Helena Diniz, há interesses protegidos pela lei que não constituem direito subjetivo e direitos subjetivos nos quais não existe interesse do seu titular como os direitos do tutor ou do pai em relação ao pupilo e aos filhos são instituídos em benefício dos menores e não do titular. [22]
De todo modo, Caio Mário ressalta que esta crítica é procedente quanto ao seu fator teleológico, pois, sendo o direito subjetivo uma faculdade do querer dirigida a determinado fim, o poder de ação isolado torna-se incompleto, corporificando-se, conforme suas lições, no instante em que o elemento volitivo encontra uma finalidade prática de atuação, onde esta finalidade é o interesse de agir. [23]É a partir desta concepção que surge a teoria da qual trataremos a seguir.
3.3 – A Teoria Mista de Jellinek
Como a própria nomenclatura sugere, trata-se de uma miscelânea das duas teorias discorridas anteriormente. Para seus teóricos o direito subjetivo apresenta-se como sendo poder da vontade ao mesmo tempo em que é protegido pelo ordenamento jurídico, ou seja, a vontade, qualificada por um poder de querer, não se realiza se não for com o intuito de buscar uma finalidade, ao êxito na realização de um interesse. Miguel Reale tenta explicar a intenção de Jellinek ao elaborar esta teoria ao mesmo tempo em que tece críticas em relação à mesma: "Jellinek achou que havia um antagonismo aparente entre a teoria da vontade e a do interesse, porque, na realidade, uma abrange a outra. Nem o interesse só, tampouco apenas a vontade, nos dão o critério para o entendimento do que seja direito subjetivo." [24]
A prevalência de um elemento sobre outro – vontade ou finalidade – não tem muita importância segundo a lição de Caio Mário; para ele, "uma e outra se acham presentes, e pois, a definição há de conter o momento interno, psíquico; e o externo, finalístico". [25]
No nosso entendimento, esta teoria, por não ter inovado em nada a natureza jurídica do direito subjetivo fazendo apenas uma mescla das teorias já estudadas, não deve prevalecer, uma vez que ela é passível das mesmas críticas e objeções das outras demais que lhe deram origem. O professor Miguel Reale vem a reforçar o nosso entendimento quando dispôs em sua obra sua crítica a esta teoria da seguinte maneira: "Essa teoria, entretanto, não vence as objeções formuladas contra cada uma de suas partes. O ecletismo é sempre uma soma de problemas, sem solução para as dificuldades que continuam nas raízes das respostas, pretensamente superadas. As mesmas objeções feitas, isoladamente, à teoria da vontade e à do interesse, continuam, como é claro, a prevalecer contra a teoria eclética de Jellinek". [26]
4. As Teorias Negativistas do Direito Subjetivo de Hans Kelsen e Léon Duguit
Tanto Leon Duguit como Hans Kelsen negam a existência do direito subjetivo, porém seus argumentos se diferem um do outro. Sabemos que as origens da dicotomia entre direito objetivo e direito subjetivo não são do direito romano, embora houvesse no Jus romano algo que não se confundia com a Lex. [27]
Esta dicotomia é construção dos tempos modernos. Neste sentido, Leon Duguit volta-se contra esta bipartição defendendo a tese de que somente existe o direito objetivo, negando, portanto, a existência do direito subjetivo. Para este teórico crítico, o indivíduo não detém um poder de comando sobre outro indivíduo ou sobre membros do grupo social, ou seja, somente o direito objetivo, para ele, poderá dirigir o comportamento dos membros de uma sociedade. Dessa forma, Duguit substitui o conceito de direito subjetivo pelo de "Situação Jurídica Subjetiva".
Para o autor, esta situação jurídica é um fato sancionado pela norma jurídica, hipótese em que se tem a situação jurídica objetiva, ou a situação dentro da qual se encontra uma pessoa beneficiada por certa prerrogativa ou obrigada por determinado dever como bem define Maria Helena Diniz em sua obra de introdução ao direito. [28]
Por estas explanações podemos notar que as situações jurídicas são disciplinadas pelo direito objetivo – o dado e pronto – não criando para ninguém um poder individual contra todos os integrantes do meio social. Posteriormente teremos a oportunidade de demonstrar com mais clareza algumas situações subjetivas, sendo de toda importância estuda-las para podermos entender melhor a pretensão de Duguit, uma vez que a partir do surgimento de sua teoria, a disciplina Teoria Geral do Direito teve de repensar o conceito sobre direito subjetivo conforme esclarece Miguel Reale, cujos ensinamentos a esse respeito passaremos a transcrever agora: "A Teotia Geral do Direito hodierna, partindo dessas e outras críticas às antigas teses que já examinamos, reelaborou os estudos sobre o direito subjetivo, fixando alguns pontos essenciais. Um deles se refere exatamente ao conceito de situação subjetiva que, a princípio, passou a ser sinônimo de direito subjetivo para, mais acertadamente, ser vista, depois, como o gênero no qual o direito subjetivo representa a espécie". [29]
Na ótica Kelseniana, o direito subjetivo é apenas uma expressão do dever jurídico, como leciona Miguel Reale [30], pois para Kelsen a não prestação corresponde a uma sanção segundo a sua teoria pura; ou mesmo uma confusão entre direito e Estado de acordo com a definição de Caio Mário. [31]
Este Estado impõe aos indivíduos uma gama de normas as quais devem ser obedecidas por todos, não se admitindo prerrogativas individuais em relação ao Estado. "Se este determina uma dada conduta individual, agirá contra o ofensor da norma no propósito de constrange-lo à observância, sem que o fato de alguém reclamar a atitude estatal de imposição se traduza na existência de uma faculdade reconhecida", conforme leciona o mesmo Caio Mário. [32]
Em outros termos, para Kelsen o direito subjetivo será, como conceito oposto ao dever jurídico, pois o direito subjetivo de um pressupõe o dever subjetivo de outro, parte integrante do direito objetivo ou norma, como bem resume A. L. Machado Neto. [33]
Entretanto, tais concepções negativistas do direito subjetivo pecam, segundo Caio Mário, pois "não conseguem os eminentes juristas abstrair-se da existência de um aspecto individual do jurídico, que será o substitutivo do direito subjetivo ou compreenderá a denominada ‘situação jurídica’, já que a existência da norma em si, ou do direito objetivo só, conduz à existência de deveres exclusivamente". [34]
Na nossa opinião, o professor Caio Mário tem razão ao criticar o objetivismo puro desta teoria, uma vez que torna-se impossível imaginar um sistema normativo onde o homem, subordinado a uma regra, não seja considerado como um elemento individual dotado de poder, o qual pela obediência dos demais sujeitos, torna-se pleno.
5. A Relação Jurídica, seus Elementos e sua Ligação com o Direito Subjetivo
A relação jurídica corresponde às relações intersubjetivas que acontecem sempre entre dois ou mais sujeitos. Ela existe, pois o homem, por ser um animal social, necessita estar sempre se relacionando com o próximo para a garantia de sua própria sobrevivência.
Neste contexto, o direito exerce um papel fundamental, pois é ele quem vai regular estas relações jurídicas, atuando, dessa forma, como um apaziguador social e como uma forma de controle deste mesmo meio. No entanto, para melhor nos situarmos no tema, somos forçados a distinguir relação factual de relação jurídica.
As primeiras correspondem a determinadas relações sobre as quais não incide uma norma jurídica; são, portanto, exemplos desta categoria as relações que possuem uma finalidade moral, artística, religiosa etc. Enfim, qualquer relação que não seja regulada por uma norma ou que seja dirigida para um determinado fim pretendido por ela.
A par destas explicações fica claro agora conceituarmos a chamada relação jurídica, a qual, nos ensinamentos de Miguel Reale, possui dois requisitos necessários para o seu surgimento. Segundo o eminente professor: "Em primeiro lugar, uma relação intersubjetiva, ou seja, um vínculo entre duas ou mais pessoas. Em segundo lugar, que esse vínculo corresponda a uma hipótese normativa, de tal maneira que derivem conseqüências obrigatórias no plano da experiência". [35]
As relações jurídicas hoje em dia, não são mais encaradas como um produto de relações sociais apenas reconhecidas pelo Estado. Atualmente prevalece uma concepção operacional do direito onde o Estado tem a incumbência de instaurar modelos jurídicos que condicionem e orientem a constituição das relações jurídicas. [36]
Qualquer relação que tenha este adjetivo – jurídica – possuirá quatro elementos tidos como essenciais para a sua formação, são eles: os sujeitos, o objeto e o que Miguel Reale chama de vínculo de atributividade. Giuseppe Lumia resume de forma sucinta e precisa e essência destes elementos da seguinte forma: "No âmbito das relações jurídicas são considerados os sujeitos entre os quais a relação se instaura, a posição que ocupam na relação e o objeto a propósito do qual a relação se estabelece. Os sujeitos que concorrem para constituir a relação jurídica são chamados partes, para distingui-los dos terceiros, isto é, dos sujeitos estranhos à relação, mesmo que dela possam obter, indiretamente, vantagem ou prejuízo. A posição de qualquer das partes no seio da relação jurídica define a chamada (não sem alguma incerteza terminológica na doutrina) situação jurídica daquelas. O termo de referencia externa da relação jurídica consiste, enfim, o seu objeto". [37]
Os sujeitos da relação jurídica ainda se dividem em ativos e passivos; os primeiros correspondem a aqueles que possuem direitos oriundos da relação; os segundos são aqueles sobre os quais recai um dever decorrente da obrigação assumida pela relação.
Miguel Reale fala ainda em um outro elemento da relação jurídica, trata-se do chamado vínculo de atributividade que nada mais é do que a concreção da norma jurídica no âmbito do relacionamento. É o vínculo mediante o qual uma parte na relação adquire legitimidade para exigir do outro algo – o objeto da relação. [38]
Toda essa descrição acerca da relação jurídica e seus elementos serviram para que pudéssemos fazer uma análise mais profunda a respeito do direito subjetivo. Pela doutrina de Caio Mário, o direito subjetivo se decompõe nesses três elementos essenciais estudados até agora, o sujeito, o objeto e a relação jurídica. Por cada um desses elementos entende-se, segundo os ensinamentos do professor Caio Mário que sujeito é aquele a quem a ordem jurídica a faculdade de agir, é o destinatário da norma jurídica, que corresponde ao homem; objeto é o bem jurídico pretendido pelo sujeito da relação; e relação jurídica é o meio pelo qual o direito subjetivo realiza-se, é o vínculo que impõe a submissão do objeto ao sujeito. [39]
Portanto, inseparáveis são os conceitos de direito subjetivo, relação jurídica, sujeitos e objeto. Por estas conclusões ousamos até dizer que sem estes elementos não há que se falar em direito subjetivo, uma vez que estes elementos, conforme já mencionamos anteriormente, são componentes do direito subjetivo. O próprio professor Caio Mário compartilha com nossa opinião quando defende a existência do direito subjetivo como uma interação destes elementos sempre. [40]
5.1 – A Subjetividade e a Capacidade de ter direitos
Dissemos anteriormente que o sujeito corresponde a um dos elementos essenciais do direito subjetivo e o conceituamos como sendo o destinatário da norma jurídica, o ser que através de uma garantia da ordem jurídica possui a faculdade de agir; em outros termos, são os entes que através da relação jurídica buscam a obtenção de determinados. Todavia, um questionamento acerca deste conceito vem à tona quando realizamos o estudo dos sujeitos, este questionamento é: quem pode ser sujeito de direitos?
Para responder essa pergunta, vamos certamente esbarrar nos conceitos de pessoa, subjetividade – que é a mesma coisa que personalidade – e capacidade.
A palavra pessoa designa o sujeito em si, o homem, tendo sua origem no cristianismo, que, como nos mostra Tércio Sampaio, "aponta para a dignidade do homem insusceptível de ser mero objeto. A personificação do homem foi uma resposta cristã à distinção, na Antigüidade, entre cidadãos e escravos. Com a expressão pessoa obteve-se a extensão moral do caráter do ser humano a todos os homens, considerados iguais perante Deus". [41] A palavra "pessoa" tem origem também no teatro antigo, onde um único indivíduo com uma só máscara – a persona – desenvolvia vários papéis na peça, semelhante ao que acontece conosco na nossa vida em sociedade. Nos dizeres de Tércio Sampaio "o que chamamos de pessoa nada mais é do que feixe de papéis institucionalizados. Quando esses papéis se comunicam, isto é, o pai é simultaneamente o trabalhador em seu emprego, o pagador de impostos, o sócio de um clube, numa palavra, o agente capaz para exercer vários papéis e as atividades correspondentes (políticas, sociais, econômicas etc.), temos uma pessoa física". [42]
Existe também uma outra espécie de pessoa, a pessoa jurídica, que constitui, pelos ensinamentos de Tércio Sampaio, um feixe desses papéis isolados dos demais papéis sociais e integrados pelo estatuto num sistema orgânico, com regras jurídicas próprias. [43]
Giuseppe Lumia por sua vez define assim a pessoa jurídica: "As pessoas jurídicas são constituídas por um conjunto de pessoas físicas ou por um conjunto de bens, aos quais confere unidade o fato de serem organizados em vista do atingimento de um objetivo, e que o ordenamento jurídico considera da mesma maneira que as pessoas físicas, como sujeitos de direito, titulares de poderes juridicamente garantidos e de obrigações juridicamente sancionadas". [44]
Ambos os tipos de pessoa podem ser considerados sujeitos de direitos e não apenas a pessoa física, o homem, vez que esta visão unitária é produto da influência da definição de pessoa pela doutrina cristã comentada em linhas anteriores. Tanto a pessoa física como a pessoa jurídica porque possuem, igualmente, direitos e deveres.
Mas o nosso conceito de sujeito de direito ainda não está completo, resta-nos falar a respeito da subjetividade e da capacidade.
Subjetividade e capacidade são conceitos interligados um ao outro, poderíamos dizer que a segunda constitui um elemento da primeira, contudo, este elemento não é essencial da personalidade pois, como veremos mais adiante, pode existir sujeitos dotados de personalidade mas carentes de capacidade. A subjetividade é manifestada na capacidade jurídica, ou seja, como define Lumia, na capacidade de serem titulares de poderes e deveres jurídicos. [45] Sem querer, acabamos de dar uma idéia do que seja capacidade, todavia, como podemos perceber, a capacidade possui um duplo sentido; ora significa capacidade no sentido de ação que corresponde à aptidão para agir, e ora significa a capacidade no sentido jurídico que é aquela a qual corresponde à aptidão do sujeito ser detentor de direitos e obrigações. No mais, há a possibilidade de um sujeito ser titular de direitos e, ao mesmo tempo, não ter a capacidade plena de exercício dos mesmos, conforme alertamos anteriormente. São os casos dos surdos-mudos, loucos e menores, a eles não se nega a existência de direitos, porém, seu exercício fica dependente da capacidade de outro sujeito para se realizar a sua concretização.
Tendo a definição de capacidade em mãos, poderemos agora conceituar com mais facilidade a subjetividade. Subjetividade, ou personalidade, nada mais é do que a resultante de poderes exprimidos pela capacidade. "Capacidade exprime poderes ou faculdades; personalidade é a resultante desses poderes; pessoa é o ente a que a ordem jurídica outorga esses poderes". [46]
A par destas explicações, temos agora condições de responder àquela indagação feita nas primeiras linhas deste item. São sujeitos de direitos aqueles que, embora por vezes não possuam aptidão para exercer seus direitos pessoalmente, possuem personalidade jurídica; ou seja, são detentores de direitos e deveres.
Todos esses conceitos são dependentes um do outro. Exemplificando com maior simplicidade, um determinado ser é sujeito de direitos porque tem personalidade jurídica; onde tem personalidade jurídica tem-se a capacidade (lembre-se sempre que muitas vezes esta capacidade falta ao sujeito, mas isso não significa que não possa ser sujeito de direitos); tem capacidade porque é pessoa; e, por fim, é pessoa porque tem direitos e obrigações.
5.2 – A Relação do Direito Subjetivo com as Situações Jurídicas Subjetivas
A situação jurídica subjetiva de um sujeito dentro de uma relação jurídica corresponde ao papel assumido por cada um deles. Na lição de Miguel Reale, ocorre a situação jurídica subjetiva "toda vez que o modo de ser, de pretender ou de agir de uma pessoa corresponder ao tipo de atividade ou pretensão abstratamente configurado numa ou mais regras de direito". [47] Através das situações jurídicas é que se estabelece uma relação; por exemplo, se um determinado sujeito "A" realiza um contrato de compra e venda com o sujeito "B", operou-se uma relação jurídica, onde a situação jurídica de "A" que adquiriu um bem de "B" é a de credor se este pagou o preço acertado entre eles; e a situação jurídica de "B" é a de devedor até omomento de entrega do bem em questão. Pelas explicações de Lumia, iremos observar melhor o conceito de situação subjetiva: "Dado que o poder de um corresponde o dever do outro, a relação jurídicas surge como a correlação de duas situações jurídicas de sentidos opostos e de igual conteúdo. Todavia, é muito freqüente ocorrer que da mesma relação surjam poderes e deveres recíprocos nos sujeitos entre os quais ela se estabelece". [48] Ou seja, há situações jurídicas passivas (devedor) e ativas (credor); à pretensão de um corresponde à obrigação do outro, ou ao poder de um corresponde à sujeição do outro.
Se quisermos compreender melhor as situações jurídicas subjetivas devemos ter em mente os conceitos de normas de conduta e normas de competência, as quais vão definir dois modelos de relação jurídicas surgidas a partir de cada conceito deste.
Primeiramente, diz-se que normas de conduta são atribuições a um sujeito para a realização do interesse de outro; para o sujeito cujo interesse deve ser resguardado dizemos que ele tem a pretensão em relação ao outro sujeito que tem uma obrigação. Por exemplo, o sujeito "A" tem a obrigação de abster-se de turbar a posse de "B", neste caso existe uma norma direcionada diretamente ao sujeito "A", o qual agindo dessa forma, realizará o interesse de "B". Quando, porém, ausente a pretensão de um sujeito, surgirá para o outro uma faculdade.
Entretanto, quando uma norma é editada não para regular comportamentos, mas outras situações jurídicas, estamos diante de uma situação jurídica originada por normas de competência. Neste, caso não se fala mais em pretensão e obrigação, as duas situações jurídicas passam a ser de poder e sujeição; por exemplo, quando um sujeito dita as normas de uma relação jurídica sobre outro sujeito. O exemplo citado por Miguel Reale quanto ao pátrio poder é bastante ilustrativo e esclarece muito este conceito: "O pátrio poder não é um direito subjetivo sobre os filhos menores. Estes sujeitam-se ao poder paterno ou materno nos limites e de conformidade com um quadro de direitos e deveres estabelecido no Código Civil; não no interesse dos pais, mas sim em benefício da prole e da sociedade. Só se pode falar em sujeição dos filhos aos pais enquanto estes se subordinam ao quadro normativo, em razão do qual o pátrio poder é atribuído. Por outro lado, ao poder dos pais não corresponde uma prestação por parte dos filhos, nem aqueles possuem, em relação a estes, uma pretensão exigível". [49] Todavia, quando este poder não gera uma sujeição ao outro sujeito surge a situação da imunidade.
Essas situações jurídicas elementares fazem surgir várias figuras jurídicas complexas, entre elas o direito subjetivo como diz Giuseppe Lumia. Segundo o autor: "O direito subjetivo apresenta-se como um conjunto unitário (e unificador) de situações jurídicas elementares: isso indica um conjunto de faculdades, pretensões, poderes e imunidades que se encontram em um estado de habitual e constante ligação, e que são inerentes a um determinado sujeito em relação a um determinado objeto". [50]
Para as demais situações jurídicas subjetivas como a obrigação, a sujeição, a ausência de poder e a ausência de pretensão, pensamos serem correspondentes ao chamado dever subjetivo.
Portanto, a relação do direito subjetivo com a situação jurídica subjetiva está evidente, pois a existência do primeiro está condicionada à segunda quando a mesma, segundo Miguel Reale "implica a possibilidade de uma pretensão, unida à exigibilidade de uma prestação, unida à exigibilidade de uma prestação ou de um ato de outrem". [51]
6. Considerações Finais
O direito subjetivo apresenta-se como um produto das relações intersubjetivas e das situações jurídicas subjetivas. As tantas teorias que tentaram explicar sua natureza contribuíram de uma certa forma para se chegar à conclusão acerca do atual conceito do direito assim como sobre a sua natureza jurídica. O direito subjetivo também não pode ser considerado como um instituto distinto do direito objetivo, atribuindo a este último a única existência decorrente do mundo jurídico como defende Hans Kelsen; também não pode ser considerado apenas como uma situação jurídica, vez que ele possui íntima ligação com o direito objetivo, pois o direito subjetivo está condicionado a uma exigibilidade de prestação.
Pretensão e exigibilidade de prestação fazem parte deste instituto do direito, o direito subjetivo, que sem elas - as situações jurídicas subjetivas - não se concretizam, o que implica dizer que o direito subjetivo não se consubstanciará no âmbito de determinada relação jurídica intersubjetiva. Sujeito, objeto e relação jurídica fazem parte deste que chamamos direito subjetivo constituindo em elementos essenciais à sua existência, vez que, como ficou claro em nossa pesquisa, não existe direito se não houver sujeito, nem direito se houver um bem a ser almejado (o objeto) como também um meio para a consecução desta finalidade (a relação jurídica).
Em última análise, são capazes aqueles que têm o poder de exerce-los, todavia, todo ser que detém a chamada personalidade jurídica está apto a possuir tais direito e reivindicá-los, mesmo que seja através de outrem detentor de capacidade. Pessoas jurídicas, assim como as pessoas naturais, também têm personalidade porque da mesma forma que estas, são detentoras de direitos e deveres, pois perseguem um objetivo da mesma maneira que as ditas pessoas naturais sendo também reconhecidas pelo ordenamento jurídico como pessoas.
Por fim, esperamos que este pequeno ensaio tenha servido para uma análise mais aprofundada de um tema que à primeira vista parece simples de se estudar, mas que traz consigo uma complexidade ímpar, principalmente quando nos perguntamos o que é um direito, o que significa tê-lo e que pode tê-lo? Acreditamos que diante desta humilde pesquisa conseguimos responder todas essas indagações de uma maneira clara e aprofundada deste tema, que, na nossa opinião, todo jurista deve ter conhecimento, pois se constitui em uma pedra angular da ciência jurídica.
7. Notas Bibliográficas
1 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 36ª ed São Paulo: Saraiva, 1999. v. I. P. 04.
2 VILA NOVA, Felipe d’Oliveira. A Lei de Arbitragem no Ordenamento Jurídico Brasileiro: Um Avanço na Prestação Jurisdicional. Caruaru: ASCES/FADICA (Dissertação de Bacharelado), 2003. P. 36.
3 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. P. 111.
4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 12.
5 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à CiÊncia do Direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 246.
6 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. P. 246.
7 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. P. 245.
8 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 30.
9 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Trad. Denise Augustinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Pp. 112-113.
10 LUMIA. Giuseppe. Op. Cit. Pp. 112-113.
11 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. P. 114.
12 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 161.
13 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 161.
14 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 147.
15 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 147.
16 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 148.
17 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à CiÊncia do Direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 247.
18 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. P. 247.
19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 22.
20 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 36ª ed São Paulo: Saraiva, 1999. v. I. P. 06.
21 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 22.
22 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à CiÊncia do Direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 247.
23 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 23.
24 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 255.
25 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 23.
26 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 255.
27 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 145.
28 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à CiÊncia do Direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 248.
29 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 257.
30 REALE, Miguel. Op. Cit. P. 256.
31 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 20.
32 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. P. 20.
33 MACHADO NETO, Antônio Luis. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1975. P. 158.
34 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 20.
35 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 216.
36 REALE, Miguel. Op. Cit. Pp. 214-215.
37 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Trad. Denise Augustinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. P. 101.
38 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 219.
39 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. Pp. 24-28.
40 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. P. 25.
41 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 155.
42 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 156.
43 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 156.
44 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Trad. Denise Augustinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. P. 102.
45 LUMIA, Giuseppe. Op. Cit. P. 101.
46 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 36ª ed São Paulo: Saraiva, 1999. v. I. P. 59.
47 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 259.
48 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Trad. Denise Augustinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. P. 105.
49 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 261.
50 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Trad. Denise Augustinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. P. 107.
51 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 259.
1. Introdução
Este é um trabalho que tem por finalidade detalhar o estudo de um tema complexo, mas muito importante da teoria geral do direito.
Procuramos ao longo deste ensaio reunir as opiniões e os ensinamentos de grandes teóricos do direito, o que nos possibilitou uma visão global acerca do tema, aprofundando dessa forma, o nosso conhecimento sobre o direito subjetivo. No mundo jurídico atual impera a tecnicidade dos juristas que cada vez menos estão comprometidos em dar ao direito uma aplicação mais justa e social. Temos, portanto, de destacar a importância de se dar mais ênfase aos temas da teoria geral do direito.
Nesta humilde obra, procuramos mostrar, principalmente, o significado do direito subjetivo, suas origens, evolução teórica e sua forma de consecução.
Como em qualquer trabalho científico, nas primeiras linhas deste ensaio tentamos definir da melhor forma possível o conceito do nosso objeto de estudo – o direito subjetivo – reunindo os mais conceituados doutrinadores do direito como já dissemos. Após conceituarmos o direito subjetivo demonstraremos o debate teórico de juristas como Jellinek, Windscheid e Ihering na tentativa de explicar a natureza jurídica do direito subjetivo.
Falaremos também das opiniões contrárias à existência do direito subjetivo de Léon Duguit e Hans Kelsen, onde teremos a oportunidade observar o objetivismo de Hans Kelsen quando afirma que o direito subjetivo tem sua gênese no direito objetivo, ou seja, de um dado e pronto; e as declarações de Léon Duguit ao defender a idéia de que o direito corresponde à uma situação jurídica subjetiva.
Concluindo nossa pesquisa, teceremos alguns comentários ainda sobre a correlação de dependência do direito subjetivo com as chamadas situações jurídicas subjetivas, não esquecendo de falar a respeito da relação jurídica e seus elementos, a qual, como veremos, se constitui no meio através do qual o direito subjetivo se concretiza.
Por fim, ressaltamos mais uma vez aqui a importância de se estudar este tema da introdução ao estudo do direito para podermos, com ele, entendermos de forma mais aprofundada a origem de nossos direitos bem como as ditas relações intersubjetivas que tanto faz parte da vida do ser humano em sociedade.
2. O Que é Direito Subjetivo (A Dicotomia entre Direito Subjetivo e Direito Objetivo).
Da palavra direito podemos tirar vários significados semânticos para exprimir diversas situações. Podemos usa-la para apontar uma determinada conduta que não se encontra de acordo com os bons costumes, por exemplo, quando dizemos: "isto não é direito!" ou quando nos referimos a um conjunto de normas que regem a vida em sociedade – o direito constitucional brasileiro, por exemplo – e também quando queremos expressar um poder que nos é inerente: "eu tenho direito à propriedade, à vida, à saúde etc."
É neste contexto que encontramos a definição do direito subjetivo; ou seja, o direito subjetivo nada mais é do que um poder e uma faculdade advindos de uma regra interposta pelo Estado na proteção dos interesses coletivos. Por isso podemos afirmar, a exemplo de Washington de Barros Monteiro que o direito objetivo é o conjunto das regras jurídicas; direito subjetivo é o meio de satisfazer interesses humanos (hominum causa omne jus constitutum sit). O segundo deriva do primeiro. [1]
Direito objetivo corresponde à norma agendi, enquanto o direito subjetivo à facultas agendi, em outros termos, este último apresenta-se como uma faculdade que o titular deste tem de usa-lo ou não na proteção do bem jurídico garantido pela norma agendi, podendo até mesmo dispô-lo, pois este tipo de direito tem como prerrogativa sua a potencialidade de uso ou não pelo seu titular. [2] Assim como o direito subjetivo está na sua possibilidade e potencialidade de uso, está também no seu exercício efetivo; neste diapasão, segundo Luiz Antônio Rizzatto Nunes, surge uma discussão doutrinária que trata da possibilidade do exercício do direito subjetivo através da ameaça feita pelo seu titular, pois segundo o doutrinador: "Entende a doutrina, fundamentada no Código Civil, que a ameaça de exercício efetivo de direito subjetivo não constitui ato ilícito, sendo considerada exercício regular de direito. Leia-se o teor do art. 160, I, do CC (No Código Civil de 2002 corresponde ao art. 188, I): Não constituem atos ilícitos: I – os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido".
"Pode-se, por isso, ampliar o conceito para dizer que o direito subjetivo é não só a potencialidade e o exercício como também o uso da ameaça deste". [3]
Tais conceitos, todavia, não podem ser estudados separadamente, fazem parte de um todo, de um único fenômeno, os dois ângulos de visão do jurídico. Um é o aspecto individual, outro o aspecto social como bem define Caio Mário. [4] Entretanto, devemos ter cautela ao afirmar que o direito subjetivo apresenta-se como a facultas agendi em si. Quem melhor nos alerta para esta questão é Maria Helena Diniz ao afirmar que as faculdades humanas não são direitos, e sim qualidades próprias do ser humano que independem de norma jurídica para a sua existência. [5]
A tarefa da norma agendi apenas seria regulamentar o uso dessas faculdades, segundo a eminente professora; logo, o uso dessas faculdades é lícito ou ilícito, conforme for permitido ou proibido. Neste caso, o direito subjetivo apresentar-se-ia como a permissão para o uso das faculdades humanas, ou seja, a facultas agendi é anterior ao direito subjetivo. [6] Segundo a mesma autora, estas permissões – dadas por meio de normas jurídicas – podem ser explícitas ou implícitas. As primeiras são identificáveis quando as normas de direito as mencionam expressamente, por exemplo, o consentimento dado aos maiores de idade para praticarem atos da vida civil; as segundas são quando as normas de direito não se referem a elas de modo expresso, todavia regula o seu uso, tomemos como exemplo dessas últimas as permissões de fazer, de não fazer, de ter e de não ter. [7]
Encerrando a nossa conceituação de direito subjetivo, devemos fazer menção a uma classificação feita deste direito de forma oportuna por Caio Mário da Silva Pereira.
Dentre as diversas classificações acerca deste direito, feita pelo autor, a que mais nos chama a atenção é a relacionada à generalidade e à restrição dos efeitos dos direitos subjetivos. Os direitos subjetivos, considerados intrinsecamente, conforme leciona o autor, são absolutos e relativos. Absolutos são aqueles direitos subjetivos os quais traduzem uma relação oponível à generalidade dos indivíduos, sem a especificação de sua exigibilidade contra um sujeito determinado, apresentando como um dever geral negativo; relativos são os direitos subjetivos quando o dever jurídico, ao contrário dos absolutos, é imposto a um determinado sujeito passivo, não importando ser este sujeito uma única pessoa ou um grupo de indivíduos, contanto que sejam estes determinados ou passíveis de determinação. [8] Podemos citar aqui alguns exemplos de ambas classificações como o direito de propriedade, por exemplo, que se constitui em um direito subjetivo absoluto; ou como o direito de crédito, apresentando-se como um direito subjetivo relativo.
2.1 – O Dever Subjetivo
O conceito de dever subjetivo não pode ser estudado em apartado ao conceito de obrigação. Giuseppe Lumia define obrigação como o dever jurídico de ter aquele comportamento que alguém está legitimado a pretender de nós; obrigação e pretensão para ele caminham juntas e são oriundas de uma mesma fonte: o ordenamento jurídico, o qual ao atribuir a um sujeito uma pretensão, impõe ao outro o dever (jurídico, e não somente moral) de ter um comportamento conforme à pretensão do primeiro. [9] O mesmo autor fala a respeito das obrigações naturais, que são aquelas não tuteladas por via do direito de ação, mas por via de exceção, ou seja, obrigações sobre as quais não pairam nenhum dever legal de prestação. [10]
Um e outro – dever e obrigação – correspondem ao sentido oposto de direito subjetivo, se assim podemos dizer, mas com significados diferentes os quais analisaremos mais adiante; inicialmente, cabe-nos diferenciar, sinteticamente, o dever do direito subjetivo.
Primordialmente, para todo direito subjetivo existe outro que o limita, e é desta afirmação que se percebe o linguajar popular: "Seu direito termina quando começa o meu". Neste caso, trata-se de um dever comum, qual seja, respeitar os direitos alheios; em contrapartida, o que nos interessa é identificar um dever subjetivo, e este tem como fonte as normas jurídicas objetivas. Já dizia Rizzatto Nunes "A noção de dever, e, o que nos interessa, dever subjetivo, é imanente ao conjunto de normas jurídicas objetivas". [11] Tal dever corresponde a um limite intrínseco a cada direito subjetivo. Se excedermos tais limites, este direito subjetivo pode vir a ser taxado de abusivo. Em outros termos, o dever subjetivo tem sua gênese na norma a qual expõe os limites ao exercício do direito subjetivo.
A palavra dever, segundo os ensinamentos de Tércio Sampaio Ferraz Júnior serve para expressar a obrigação como um vínculo, ou em termos de uma força moral. [12]Por esse motivo é que não podemos nos desvencilhar do conceito de obrigação no estudo do dever.
Ainda de acordo com Ferraz Júnior, a idéia de dever atua como um motivo para o comportamento lícito que se cumpre, primariamente, não por temor de sanções, mas por respeito desinteressado ao direito. [13]Portanto, esta afirmativa vem a reforçar o nosso entendimento transcrito em linhas anteriores a respeito do dever comum e do dever subjetivo. O primeiro constitui um respeito desinteressado ao direito de outrem enquanto o dever subjetivo é um dever imposto pela norma e tem o intuito de não tornar o uso do direito subjetivo de forma abusiva, limitando-o desta maneira.
Um exemplo claro desta diferença podemos encontrar no direito de propriedade. É dever comum nosso respeitar o direito subjetivo à propriedade de terceiros; por outro lado é dever subjetivo do titular deste mesmo direito usa-lo dentro dos limites impostos pela norma para evitar possíveis abusos no seu exercício; por exemplo, é um dever subjetivo usar da propriedade para buscar os fins sociais a que ela se destina (Art. 5º, XXIII – CF/88; Art. 1.228, §§ 1º e 2º/CC).
Por fim, o que pretendíamos aqui neste pequeno intróito do nosso estudo era conceituar de forma clara, precisa e esmiuçada o conceito de direito subjetivo para que possamos ter ao final deste trabalho uma ciência bem mais sistematizada e esclarecedora acerca do direito subjetivo.
3. As Teorias Acerca do Direito Subjetivo
Três são as teorias, formuladas pelos juristas Jellinek, Windscheid e Ihering, que tentaram explicar a natureza jurídica do direito subjetivo, todavia nenhuma delas conseguiu esgotar satisfatoriamente as discussões sobre o que vem a ser o direito subjetivo e de que fonte o mesmo insurgiu. Em conformidade com Ferraz Júnior, a questão em torno da qual se empenham é saber se o direito subjetivo constitui também um dado por si (a exemplo do direito objetivo) ou se, contrariamente, é elaborado ou se faz nascer do direito objetivo. [14]
Vejamos agora a essência de cada teoria bem como as suas respectivas críticas quanto à formulação de um conceito preciso acerca do direito subjetivo.
3.1 – A Teoria da Vontade de Windscheid
Para os adeptos desta corrente o direito subjetivo seria o poder da vontade humana garantido pelo ordenamento jurídico. Esta vontade corresponde ao que Ferraz Júnior chama de "um dado existencial", sendo parte integrante da natureza humana o poder de escolha ao mesmo tempo em que se apresenta como sendo o ponto diferenciador do homem em relação aos demais animais. [15]
No entanto, esta vontade não pode ser elemento único de diferenciação entre homens e animais irracionais, pois mesmo sem possuir vontade própria por vezes, o ser humano não deixa de ter esse adjetivo – o humano – pela ausência da vontade. Diante desta afirmação nos questionamos: os loucos, os surdos-mudos e os menores incapazes para a prática da vida civil, não são sujeitos de direitos? A eles não são reconhecidos, por exemplo, os direitos subjetivos da propriedade, de ação etc? Obviamente que são, embora sejam protegidos por outrem.
É exatamente neste ponto que reside a principal crítica a esta teoria. Em conformidade coma teoria da garantia citada na obra de Ferraz Júnior, o direito subjetivo não teria por base a vontade, mas a possibilidade de fazer a garantia da ordem jurídica tornar efetiva a proteção do direito. Para o renomado professor, esta teoria garantista torna o direito subjetivo algo semelhante com a proteção da liberdade conferida pelo direito objetivo. [16]
Outras objeções a esta teoria foram feitas, além da supra mencionada. Dentre elas está aquela que defende a existência do direito subjetivo independentemente da vontade do seu titular, por exemplo, o direito de propriedade decorrente de herança, onde o herdeiro ignora a abertura da sucessão pela morte do descendente; ou até mesmo a propriedade mediante testamento.
Existe também uma confusão que é feita entre o próprio direito e o exercício do mesmo esclarecido por Maria Helena Diniz. Segundo a autora, só para este (o exercício do direito) é que a vontade do sujeito será indispensável. [17]
Admitindo a pertinência destas críticas, o próprio Windscheid, mentor desta teoria, procurou dar uma outra roupagem ao termo vontade esclarecendo que este não deve ser empregado no sentido psicológico, mas sim em sentido lógico, como vontade normativa, ou seja, como poder jurídico do querer. [18]
3.2 – A Teoria do Interesse de Ihering
Esta teoria afirma que a natureza jurídica do direito subjetivo está no interesse juridicamente protegido. Contrária à teoria de Windscheid, a idéia de Ihering é calcada em dois elementos constitutivos do princípio do direito subjetivo.
O primeiro elemento em caráter substancial que, de acordo com Caio Mário, se situa na sua finalidade prática, ou seja, na sua utilidade, sua vantagem ou no interesse. O elemento subseqüente tem caráter formal o qual apresenta-se como o meio para a efetivação do primeiro, correspondendo à proteção judicial por meio da ação. [19]
Crítica ferrenha à teoria da vontade, a teoria do interesse ressalta a possibilidade de haver interesse em determinados direitos mesmo sem existir o elemento volitivo, como o já citado exemplo dos surdos-mudos, loucos e menores (Item 3.1). Todavia, esta crítica à teria em comento tem lá suas falhas, pois como dizia Washington de Barros Monteiro "Direitos existem que dificilmente se ligarão a um interesse, assim como também interesses há que logram obter tutela e proteção do direito". [20]
Na concepção de Caio Mário, esta teoria peca no sentido de que para o autor: "Existe, então, no direito subjetivo um poder de ação que está à disposição do seu titular, e que não depende do exercício, da mesma forma que o indivíduo capaz e conhecedor do seu direito poderá conservar-se inerte, sem realizar o poder de vontade, e, ainda assim, é portador dele". [21]
Da mesma maneira, como bem lembra Maria Helena Diniz, há interesses protegidos pela lei que não constituem direito subjetivo e direitos subjetivos nos quais não existe interesse do seu titular como os direitos do tutor ou do pai em relação ao pupilo e aos filhos são instituídos em benefício dos menores e não do titular. [22]
De todo modo, Caio Mário ressalta que esta crítica é procedente quanto ao seu fator teleológico, pois, sendo o direito subjetivo uma faculdade do querer dirigida a determinado fim, o poder de ação isolado torna-se incompleto, corporificando-se, conforme suas lições, no instante em que o elemento volitivo encontra uma finalidade prática de atuação, onde esta finalidade é o interesse de agir. [23]É a partir desta concepção que surge a teoria da qual trataremos a seguir.
3.3 – A Teoria Mista de Jellinek
Como a própria nomenclatura sugere, trata-se de uma miscelânea das duas teorias discorridas anteriormente. Para seus teóricos o direito subjetivo apresenta-se como sendo poder da vontade ao mesmo tempo em que é protegido pelo ordenamento jurídico, ou seja, a vontade, qualificada por um poder de querer, não se realiza se não for com o intuito de buscar uma finalidade, ao êxito na realização de um interesse. Miguel Reale tenta explicar a intenção de Jellinek ao elaborar esta teoria ao mesmo tempo em que tece críticas em relação à mesma: "Jellinek achou que havia um antagonismo aparente entre a teoria da vontade e a do interesse, porque, na realidade, uma abrange a outra. Nem o interesse só, tampouco apenas a vontade, nos dão o critério para o entendimento do que seja direito subjetivo." [24]
A prevalência de um elemento sobre outro – vontade ou finalidade – não tem muita importância segundo a lição de Caio Mário; para ele, "uma e outra se acham presentes, e pois, a definição há de conter o momento interno, psíquico; e o externo, finalístico". [25]
No nosso entendimento, esta teoria, por não ter inovado em nada a natureza jurídica do direito subjetivo fazendo apenas uma mescla das teorias já estudadas, não deve prevalecer, uma vez que ela é passível das mesmas críticas e objeções das outras demais que lhe deram origem. O professor Miguel Reale vem a reforçar o nosso entendimento quando dispôs em sua obra sua crítica a esta teoria da seguinte maneira: "Essa teoria, entretanto, não vence as objeções formuladas contra cada uma de suas partes. O ecletismo é sempre uma soma de problemas, sem solução para as dificuldades que continuam nas raízes das respostas, pretensamente superadas. As mesmas objeções feitas, isoladamente, à teoria da vontade e à do interesse, continuam, como é claro, a prevalecer contra a teoria eclética de Jellinek". [26]
4. As Teorias Negativistas do Direito Subjetivo de Hans Kelsen e Léon Duguit
Tanto Leon Duguit como Hans Kelsen negam a existência do direito subjetivo, porém seus argumentos se diferem um do outro. Sabemos que as origens da dicotomia entre direito objetivo e direito subjetivo não são do direito romano, embora houvesse no Jus romano algo que não se confundia com a Lex. [27]
Esta dicotomia é construção dos tempos modernos. Neste sentido, Leon Duguit volta-se contra esta bipartição defendendo a tese de que somente existe o direito objetivo, negando, portanto, a existência do direito subjetivo. Para este teórico crítico, o indivíduo não detém um poder de comando sobre outro indivíduo ou sobre membros do grupo social, ou seja, somente o direito objetivo, para ele, poderá dirigir o comportamento dos membros de uma sociedade. Dessa forma, Duguit substitui o conceito de direito subjetivo pelo de "Situação Jurídica Subjetiva".
Para o autor, esta situação jurídica é um fato sancionado pela norma jurídica, hipótese em que se tem a situação jurídica objetiva, ou a situação dentro da qual se encontra uma pessoa beneficiada por certa prerrogativa ou obrigada por determinado dever como bem define Maria Helena Diniz em sua obra de introdução ao direito. [28]
Por estas explanações podemos notar que as situações jurídicas são disciplinadas pelo direito objetivo – o dado e pronto – não criando para ninguém um poder individual contra todos os integrantes do meio social. Posteriormente teremos a oportunidade de demonstrar com mais clareza algumas situações subjetivas, sendo de toda importância estuda-las para podermos entender melhor a pretensão de Duguit, uma vez que a partir do surgimento de sua teoria, a disciplina Teoria Geral do Direito teve de repensar o conceito sobre direito subjetivo conforme esclarece Miguel Reale, cujos ensinamentos a esse respeito passaremos a transcrever agora: "A Teotia Geral do Direito hodierna, partindo dessas e outras críticas às antigas teses que já examinamos, reelaborou os estudos sobre o direito subjetivo, fixando alguns pontos essenciais. Um deles se refere exatamente ao conceito de situação subjetiva que, a princípio, passou a ser sinônimo de direito subjetivo para, mais acertadamente, ser vista, depois, como o gênero no qual o direito subjetivo representa a espécie". [29]
Na ótica Kelseniana, o direito subjetivo é apenas uma expressão do dever jurídico, como leciona Miguel Reale [30], pois para Kelsen a não prestação corresponde a uma sanção segundo a sua teoria pura; ou mesmo uma confusão entre direito e Estado de acordo com a definição de Caio Mário. [31]
Este Estado impõe aos indivíduos uma gama de normas as quais devem ser obedecidas por todos, não se admitindo prerrogativas individuais em relação ao Estado. "Se este determina uma dada conduta individual, agirá contra o ofensor da norma no propósito de constrange-lo à observância, sem que o fato de alguém reclamar a atitude estatal de imposição se traduza na existência de uma faculdade reconhecida", conforme leciona o mesmo Caio Mário. [32]
Em outros termos, para Kelsen o direito subjetivo será, como conceito oposto ao dever jurídico, pois o direito subjetivo de um pressupõe o dever subjetivo de outro, parte integrante do direito objetivo ou norma, como bem resume A. L. Machado Neto. [33]
Entretanto, tais concepções negativistas do direito subjetivo pecam, segundo Caio Mário, pois "não conseguem os eminentes juristas abstrair-se da existência de um aspecto individual do jurídico, que será o substitutivo do direito subjetivo ou compreenderá a denominada ‘situação jurídica’, já que a existência da norma em si, ou do direito objetivo só, conduz à existência de deveres exclusivamente". [34]
Na nossa opinião, o professor Caio Mário tem razão ao criticar o objetivismo puro desta teoria, uma vez que torna-se impossível imaginar um sistema normativo onde o homem, subordinado a uma regra, não seja considerado como um elemento individual dotado de poder, o qual pela obediência dos demais sujeitos, torna-se pleno.
5. A Relação Jurídica, seus Elementos e sua Ligação com o Direito Subjetivo
A relação jurídica corresponde às relações intersubjetivas que acontecem sempre entre dois ou mais sujeitos. Ela existe, pois o homem, por ser um animal social, necessita estar sempre se relacionando com o próximo para a garantia de sua própria sobrevivência.
Neste contexto, o direito exerce um papel fundamental, pois é ele quem vai regular estas relações jurídicas, atuando, dessa forma, como um apaziguador social e como uma forma de controle deste mesmo meio. No entanto, para melhor nos situarmos no tema, somos forçados a distinguir relação factual de relação jurídica.
As primeiras correspondem a determinadas relações sobre as quais não incide uma norma jurídica; são, portanto, exemplos desta categoria as relações que possuem uma finalidade moral, artística, religiosa etc. Enfim, qualquer relação que não seja regulada por uma norma ou que seja dirigida para um determinado fim pretendido por ela.
A par destas explicações fica claro agora conceituarmos a chamada relação jurídica, a qual, nos ensinamentos de Miguel Reale, possui dois requisitos necessários para o seu surgimento. Segundo o eminente professor: "Em primeiro lugar, uma relação intersubjetiva, ou seja, um vínculo entre duas ou mais pessoas. Em segundo lugar, que esse vínculo corresponda a uma hipótese normativa, de tal maneira que derivem conseqüências obrigatórias no plano da experiência". [35]
As relações jurídicas hoje em dia, não são mais encaradas como um produto de relações sociais apenas reconhecidas pelo Estado. Atualmente prevalece uma concepção operacional do direito onde o Estado tem a incumbência de instaurar modelos jurídicos que condicionem e orientem a constituição das relações jurídicas. [36]
Qualquer relação que tenha este adjetivo – jurídica – possuirá quatro elementos tidos como essenciais para a sua formação, são eles: os sujeitos, o objeto e o que Miguel Reale chama de vínculo de atributividade. Giuseppe Lumia resume de forma sucinta e precisa e essência destes elementos da seguinte forma: "No âmbito das relações jurídicas são considerados os sujeitos entre os quais a relação se instaura, a posição que ocupam na relação e o objeto a propósito do qual a relação se estabelece. Os sujeitos que concorrem para constituir a relação jurídica são chamados partes, para distingui-los dos terceiros, isto é, dos sujeitos estranhos à relação, mesmo que dela possam obter, indiretamente, vantagem ou prejuízo. A posição de qualquer das partes no seio da relação jurídica define a chamada (não sem alguma incerteza terminológica na doutrina) situação jurídica daquelas. O termo de referencia externa da relação jurídica consiste, enfim, o seu objeto". [37]
Os sujeitos da relação jurídica ainda se dividem em ativos e passivos; os primeiros correspondem a aqueles que possuem direitos oriundos da relação; os segundos são aqueles sobre os quais recai um dever decorrente da obrigação assumida pela relação.
Miguel Reale fala ainda em um outro elemento da relação jurídica, trata-se do chamado vínculo de atributividade que nada mais é do que a concreção da norma jurídica no âmbito do relacionamento. É o vínculo mediante o qual uma parte na relação adquire legitimidade para exigir do outro algo – o objeto da relação. [38]
Toda essa descrição acerca da relação jurídica e seus elementos serviram para que pudéssemos fazer uma análise mais profunda a respeito do direito subjetivo. Pela doutrina de Caio Mário, o direito subjetivo se decompõe nesses três elementos essenciais estudados até agora, o sujeito, o objeto e a relação jurídica. Por cada um desses elementos entende-se, segundo os ensinamentos do professor Caio Mário que sujeito é aquele a quem a ordem jurídica a faculdade de agir, é o destinatário da norma jurídica, que corresponde ao homem; objeto é o bem jurídico pretendido pelo sujeito da relação; e relação jurídica é o meio pelo qual o direito subjetivo realiza-se, é o vínculo que impõe a submissão do objeto ao sujeito. [39]
Portanto, inseparáveis são os conceitos de direito subjetivo, relação jurídica, sujeitos e objeto. Por estas conclusões ousamos até dizer que sem estes elementos não há que se falar em direito subjetivo, uma vez que estes elementos, conforme já mencionamos anteriormente, são componentes do direito subjetivo. O próprio professor Caio Mário compartilha com nossa opinião quando defende a existência do direito subjetivo como uma interação destes elementos sempre. [40]
5.1 – A Subjetividade e a Capacidade de ter direitos
Dissemos anteriormente que o sujeito corresponde a um dos elementos essenciais do direito subjetivo e o conceituamos como sendo o destinatário da norma jurídica, o ser que através de uma garantia da ordem jurídica possui a faculdade de agir; em outros termos, são os entes que através da relação jurídica buscam a obtenção de determinados. Todavia, um questionamento acerca deste conceito vem à tona quando realizamos o estudo dos sujeitos, este questionamento é: quem pode ser sujeito de direitos?
Para responder essa pergunta, vamos certamente esbarrar nos conceitos de pessoa, subjetividade – que é a mesma coisa que personalidade – e capacidade.
A palavra pessoa designa o sujeito em si, o homem, tendo sua origem no cristianismo, que, como nos mostra Tércio Sampaio, "aponta para a dignidade do homem insusceptível de ser mero objeto. A personificação do homem foi uma resposta cristã à distinção, na Antigüidade, entre cidadãos e escravos. Com a expressão pessoa obteve-se a extensão moral do caráter do ser humano a todos os homens, considerados iguais perante Deus". [41] A palavra "pessoa" tem origem também no teatro antigo, onde um único indivíduo com uma só máscara – a persona – desenvolvia vários papéis na peça, semelhante ao que acontece conosco na nossa vida em sociedade. Nos dizeres de Tércio Sampaio "o que chamamos de pessoa nada mais é do que feixe de papéis institucionalizados. Quando esses papéis se comunicam, isto é, o pai é simultaneamente o trabalhador em seu emprego, o pagador de impostos, o sócio de um clube, numa palavra, o agente capaz para exercer vários papéis e as atividades correspondentes (políticas, sociais, econômicas etc.), temos uma pessoa física". [42]
Existe também uma outra espécie de pessoa, a pessoa jurídica, que constitui, pelos ensinamentos de Tércio Sampaio, um feixe desses papéis isolados dos demais papéis sociais e integrados pelo estatuto num sistema orgânico, com regras jurídicas próprias. [43]
Giuseppe Lumia por sua vez define assim a pessoa jurídica: "As pessoas jurídicas são constituídas por um conjunto de pessoas físicas ou por um conjunto de bens, aos quais confere unidade o fato de serem organizados em vista do atingimento de um objetivo, e que o ordenamento jurídico considera da mesma maneira que as pessoas físicas, como sujeitos de direito, titulares de poderes juridicamente garantidos e de obrigações juridicamente sancionadas". [44]
Ambos os tipos de pessoa podem ser considerados sujeitos de direitos e não apenas a pessoa física, o homem, vez que esta visão unitária é produto da influência da definição de pessoa pela doutrina cristã comentada em linhas anteriores. Tanto a pessoa física como a pessoa jurídica porque possuem, igualmente, direitos e deveres.
Mas o nosso conceito de sujeito de direito ainda não está completo, resta-nos falar a respeito da subjetividade e da capacidade.
Subjetividade e capacidade são conceitos interligados um ao outro, poderíamos dizer que a segunda constitui um elemento da primeira, contudo, este elemento não é essencial da personalidade pois, como veremos mais adiante, pode existir sujeitos dotados de personalidade mas carentes de capacidade. A subjetividade é manifestada na capacidade jurídica, ou seja, como define Lumia, na capacidade de serem titulares de poderes e deveres jurídicos. [45] Sem querer, acabamos de dar uma idéia do que seja capacidade, todavia, como podemos perceber, a capacidade possui um duplo sentido; ora significa capacidade no sentido de ação que corresponde à aptidão para agir, e ora significa a capacidade no sentido jurídico que é aquela a qual corresponde à aptidão do sujeito ser detentor de direitos e obrigações. No mais, há a possibilidade de um sujeito ser titular de direitos e, ao mesmo tempo, não ter a capacidade plena de exercício dos mesmos, conforme alertamos anteriormente. São os casos dos surdos-mudos, loucos e menores, a eles não se nega a existência de direitos, porém, seu exercício fica dependente da capacidade de outro sujeito para se realizar a sua concretização.
Tendo a definição de capacidade em mãos, poderemos agora conceituar com mais facilidade a subjetividade. Subjetividade, ou personalidade, nada mais é do que a resultante de poderes exprimidos pela capacidade. "Capacidade exprime poderes ou faculdades; personalidade é a resultante desses poderes; pessoa é o ente a que a ordem jurídica outorga esses poderes". [46]
A par destas explicações, temos agora condições de responder àquela indagação feita nas primeiras linhas deste item. São sujeitos de direitos aqueles que, embora por vezes não possuam aptidão para exercer seus direitos pessoalmente, possuem personalidade jurídica; ou seja, são detentores de direitos e deveres.
Todos esses conceitos são dependentes um do outro. Exemplificando com maior simplicidade, um determinado ser é sujeito de direitos porque tem personalidade jurídica; onde tem personalidade jurídica tem-se a capacidade (lembre-se sempre que muitas vezes esta capacidade falta ao sujeito, mas isso não significa que não possa ser sujeito de direitos); tem capacidade porque é pessoa; e, por fim, é pessoa porque tem direitos e obrigações.
5.2 – A Relação do Direito Subjetivo com as Situações Jurídicas Subjetivas
A situação jurídica subjetiva de um sujeito dentro de uma relação jurídica corresponde ao papel assumido por cada um deles. Na lição de Miguel Reale, ocorre a situação jurídica subjetiva "toda vez que o modo de ser, de pretender ou de agir de uma pessoa corresponder ao tipo de atividade ou pretensão abstratamente configurado numa ou mais regras de direito". [47] Através das situações jurídicas é que se estabelece uma relação; por exemplo, se um determinado sujeito "A" realiza um contrato de compra e venda com o sujeito "B", operou-se uma relação jurídica, onde a situação jurídica de "A" que adquiriu um bem de "B" é a de credor se este pagou o preço acertado entre eles; e a situação jurídica de "B" é a de devedor até omomento de entrega do bem em questão. Pelas explicações de Lumia, iremos observar melhor o conceito de situação subjetiva: "Dado que o poder de um corresponde o dever do outro, a relação jurídicas surge como a correlação de duas situações jurídicas de sentidos opostos e de igual conteúdo. Todavia, é muito freqüente ocorrer que da mesma relação surjam poderes e deveres recíprocos nos sujeitos entre os quais ela se estabelece". [48] Ou seja, há situações jurídicas passivas (devedor) e ativas (credor); à pretensão de um corresponde à obrigação do outro, ou ao poder de um corresponde à sujeição do outro.
Se quisermos compreender melhor as situações jurídicas subjetivas devemos ter em mente os conceitos de normas de conduta e normas de competência, as quais vão definir dois modelos de relação jurídicas surgidas a partir de cada conceito deste.
Primeiramente, diz-se que normas de conduta são atribuições a um sujeito para a realização do interesse de outro; para o sujeito cujo interesse deve ser resguardado dizemos que ele tem a pretensão em relação ao outro sujeito que tem uma obrigação. Por exemplo, o sujeito "A" tem a obrigação de abster-se de turbar a posse de "B", neste caso existe uma norma direcionada diretamente ao sujeito "A", o qual agindo dessa forma, realizará o interesse de "B". Quando, porém, ausente a pretensão de um sujeito, surgirá para o outro uma faculdade.
Entretanto, quando uma norma é editada não para regular comportamentos, mas outras situações jurídicas, estamos diante de uma situação jurídica originada por normas de competência. Neste, caso não se fala mais em pretensão e obrigação, as duas situações jurídicas passam a ser de poder e sujeição; por exemplo, quando um sujeito dita as normas de uma relação jurídica sobre outro sujeito. O exemplo citado por Miguel Reale quanto ao pátrio poder é bastante ilustrativo e esclarece muito este conceito: "O pátrio poder não é um direito subjetivo sobre os filhos menores. Estes sujeitam-se ao poder paterno ou materno nos limites e de conformidade com um quadro de direitos e deveres estabelecido no Código Civil; não no interesse dos pais, mas sim em benefício da prole e da sociedade. Só se pode falar em sujeição dos filhos aos pais enquanto estes se subordinam ao quadro normativo, em razão do qual o pátrio poder é atribuído. Por outro lado, ao poder dos pais não corresponde uma prestação por parte dos filhos, nem aqueles possuem, em relação a estes, uma pretensão exigível". [49] Todavia, quando este poder não gera uma sujeição ao outro sujeito surge a situação da imunidade.
Essas situações jurídicas elementares fazem surgir várias figuras jurídicas complexas, entre elas o direito subjetivo como diz Giuseppe Lumia. Segundo o autor: "O direito subjetivo apresenta-se como um conjunto unitário (e unificador) de situações jurídicas elementares: isso indica um conjunto de faculdades, pretensões, poderes e imunidades que se encontram em um estado de habitual e constante ligação, e que são inerentes a um determinado sujeito em relação a um determinado objeto". [50]
Para as demais situações jurídicas subjetivas como a obrigação, a sujeição, a ausência de poder e a ausência de pretensão, pensamos serem correspondentes ao chamado dever subjetivo.
Portanto, a relação do direito subjetivo com a situação jurídica subjetiva está evidente, pois a existência do primeiro está condicionada à segunda quando a mesma, segundo Miguel Reale "implica a possibilidade de uma pretensão, unida à exigibilidade de uma prestação, unida à exigibilidade de uma prestação ou de um ato de outrem". [51]
6. Considerações Finais
O direito subjetivo apresenta-se como um produto das relações intersubjetivas e das situações jurídicas subjetivas. As tantas teorias que tentaram explicar sua natureza contribuíram de uma certa forma para se chegar à conclusão acerca do atual conceito do direito assim como sobre a sua natureza jurídica. O direito subjetivo também não pode ser considerado como um instituto distinto do direito objetivo, atribuindo a este último a única existência decorrente do mundo jurídico como defende Hans Kelsen; também não pode ser considerado apenas como uma situação jurídica, vez que ele possui íntima ligação com o direito objetivo, pois o direito subjetivo está condicionado a uma exigibilidade de prestação.
Pretensão e exigibilidade de prestação fazem parte deste instituto do direito, o direito subjetivo, que sem elas - as situações jurídicas subjetivas - não se concretizam, o que implica dizer que o direito subjetivo não se consubstanciará no âmbito de determinada relação jurídica intersubjetiva. Sujeito, objeto e relação jurídica fazem parte deste que chamamos direito subjetivo constituindo em elementos essenciais à sua existência, vez que, como ficou claro em nossa pesquisa, não existe direito se não houver sujeito, nem direito se houver um bem a ser almejado (o objeto) como também um meio para a consecução desta finalidade (a relação jurídica).
Em última análise, são capazes aqueles que têm o poder de exerce-los, todavia, todo ser que detém a chamada personalidade jurídica está apto a possuir tais direito e reivindicá-los, mesmo que seja através de outrem detentor de capacidade. Pessoas jurídicas, assim como as pessoas naturais, também têm personalidade porque da mesma forma que estas, são detentoras de direitos e deveres, pois perseguem um objetivo da mesma maneira que as ditas pessoas naturais sendo também reconhecidas pelo ordenamento jurídico como pessoas.
Por fim, esperamos que este pequeno ensaio tenha servido para uma análise mais aprofundada de um tema que à primeira vista parece simples de se estudar, mas que traz consigo uma complexidade ímpar, principalmente quando nos perguntamos o que é um direito, o que significa tê-lo e que pode tê-lo? Acreditamos que diante desta humilde pesquisa conseguimos responder todas essas indagações de uma maneira clara e aprofundada deste tema, que, na nossa opinião, todo jurista deve ter conhecimento, pois se constitui em uma pedra angular da ciência jurídica.
7. Notas Bibliográficas
1 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 36ª ed São Paulo: Saraiva, 1999. v. I. P. 04.
2 VILA NOVA, Felipe d’Oliveira. A Lei de Arbitragem no Ordenamento Jurídico Brasileiro: Um Avanço na Prestação Jurisdicional. Caruaru: ASCES/FADICA (Dissertação de Bacharelado), 2003. P. 36.
3 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. P. 111.
4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 12.
5 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à CiÊncia do Direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 246.
6 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. P. 246.
7 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. P. 245.
8 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 30.
9 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Trad. Denise Augustinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Pp. 112-113.
10 LUMIA. Giuseppe. Op. Cit. Pp. 112-113.
11 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. P. 114.
12 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 161.
13 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 161.
14 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 147.
15 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 147.
16 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 148.
17 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à CiÊncia do Direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 247.
18 DINIZ, Maria Helena. Op. Cit. P. 247.
19 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 22.
20 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 36ª ed São Paulo: Saraiva, 1999. v. I. P. 06.
21 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 22.
22 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à CiÊncia do Direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 247.
23 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 23.
24 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 255.
25 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 23.
26 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 255.
27 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 145.
28 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à CiÊncia do Direito. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 248.
29 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 257.
30 REALE, Miguel. Op. Cit. P. 256.
31 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 20.
32 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. P. 20.
33 MACHADO NETO, Antônio Luis. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1975. P. 158.
34 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. P. 20.
35 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 216.
36 REALE, Miguel. Op. Cit. Pp. 214-215.
37 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Trad. Denise Augustinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. P. 101.
38 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 219.
39 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. v. I. Pp. 24-28.
40 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit. P. 25.
41 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 155.
42 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 156.
43 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Op. Cit. P. 156.
44 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Trad. Denise Augustinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. P. 102.
45 LUMIA, Giuseppe. Op. Cit. P. 101.
46 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Parte Geral. 36ª ed São Paulo: Saraiva, 1999. v. I. P. 59.
47 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 259.
48 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Trad. Denise Augustinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. P. 105.
49 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 261.
50 LUMIA, Giuseppe. Elementos de Teoria e Ideologia do Direito. Trad. Denise Augustinetti. São Paulo: Martins Fontes, 2003. P. 107.
51 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 259.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Uma introdução ao Anarquismo de Mercado
O anarquismo de mercado pode ser considerado uma extensão e uma radicalização do liberalismo clássico. O liberalismo recebe muita publicidade negativa hoje em dia e, em sua maior parte, ela é imerecida - como na atual crise mundial, que é debitada na conta dos pobres liberais, embora os mesmos liberais há tempos já venham alertando para os problemas que as intervenções corriqueiras (que ocorrem a todo momento e são ignoradas, de alguma maneira) no mercado causam.
O liberalismo surgiu como uma reação a tudo que pragueja o mundo hoje em dia: às guerras e o militarismo, ao poder ilimitado dos governos, aos impostos, à sociedade de classes, às regulamentações que proibiam as pessoas de produzir. O liberalismo, por tudo isso, era o partido dos pobres e dos oprimidos, daqueles que defendiam que as pessoas tinham direito de produzir e manter os frutos do próprio trabalho, e não deixa de ser irônico que hoje em dia ele seja visto como uma ideologia à serviço dos ricos - embora sejam os adversários dos liberais que estejam se coçando para declarar o fim do livre mercado e dar bilhões e bilhões de dólares para os banqueiros.
De qualquer forma o liberalismo ganhou grande prestígio nos séculos XVIII e XIX, e levou às diversas revoluções que acabaram, entre outras coisas, com aquela coisa do poder real absoluto. Foi o liberalismo que tentou instituir os direitos iguais para todos e limitar ao máximo o poder de exploração do estado, cujas funções deveriam ser a de estrita defesa, nas palavras de John Locke, da vida, da liberdade e da propriedade, os direitos naturais do indivíduo.
Porém, os liberais clássicos não foram longe o suficiente na sua crítica ao poder do estado. É bem verdade que eles eram bastante sensíveis à ameaça apresentada por essa instituição, mas não tiraram as conclusões lógicas das suas críticas.
Por um lado, eles não perceberam que o aval deles a um "estado mínimo" era em si próprio imoral de acordo com os próprios princípios liberais, uma vez que o estado, para sua própria existência, necessariamente invade a liberdade e a propriedade dos cidadãos (através da cobrança de impostos).
Por outro, eles também não enxergaram que o estado é a máquina perfeita de exploração: por não ser limitado pelas normas comuns de convívio social (o respeito pela propriedade privada, a voluntariedade em vez da força), o estado é a ferramenta perfeita pela qual um grupo pode se beneficiar às custas dos outros. O estado pode não apenas tirar de uns e dar para outros, através de seus impostos, ele também pode controlar uns em favor de outros, através das suas leis.
Seu poder de monopólio combinado com seu poder de cobrar impostos também assegura que o estado vá ser cada vez mais exploratório, cobrando preços cada vez mais altos por serviços cada vez piores. Daí vemos as infinitas leis de hoje em dia, que não protegem senão os interesses de alguns, e a escalada da violência, inclusive (talvez principalmente) de policiais. Parece bem óbvio que o estado, embora devesse se limitar à defesa dos seus cidadãos, fracassou miseravelmente nessa função.
E é daí que surgem duas conclusões um tanto óbvias a esta altura: (1) o estado é uma instituição imoral, essencialmente anti-social e/ou ineficiente que, portanto, deve ser abolida; (2) suas funções indispensáveis devem ser executadas através de arranjos voluntários do mercado, sujeitos ao respeito pela propriedade privada. Estes são os princípios básicos do anarquismo de mercado - e de seus subgrupos.
(Ah, outra definição que já li dizia que o anarquismo de mercado é igual ao anarquismo normal, mas com melhores lojas. Se eu usasse essa definição, porém, o texto ficaria de certo modo reduzido.)
E quem defende isso?!
Bom, eu defendo. Várias outras pessoas também defendem e hoje em dia pode-se dizer que nós já enchemos uma Kombi. Evidentemente não foi sempre assim e a idéia teve que surgir em algum lugar. Ela foi apresentada de forma sistematizada pela primeira vez pelo economista liberal franco-belga Gustave de Molinari, em um ensaio chamado De la production de la securité, de 1849, onde ele escreveu:
Se existe uma verdade bem estabelecida na economia política, é esta:
Que em todos os casos, para todas as mercadorias que servem à provisão das necessidades tangíveis ou intangíveis do consumidor, é do maior interesse dele que o trabalho e o comércio permaneçam livres, porque a liberdade do trabalho e do comércio tem, como resultado necessário e permanente, a redução máxima do preço.
E esta:
Que os interesses do consumidor de qualquer mercadoria devem sempre prevalecer sobre os interesses do produtor.
Assim, ao seguirmos esses princípios, chegamos a esta rigorosa conclusão:
Que a produção de segurança deveria, nos interesses dos consumidores desta mercadoria intangível, permanecer sujeita à lei da livre competição.
De onde se segue:
Que nenhum governo deveria ter o direito de impedir que outro governo entrasse em competição com ele ou que requeresse que os consumidores adquirissem exclusivamente seus serviços.
Contudo, eu devo admitir que, até o presente momento, se tem evitado chegar a essa rigorosa implicação do princípio da livre competição.
Os liberais não eram um grupo homogêneo, claro. Em suas fileiras haviam desde os mais intervencionistas (como John Stuart Mill) até os defensores de um estado mínimo estrito (como Frédéric Bastiat) e os que falavam em favor do direito de recusa a se submeter ao estado (como Herbert Spencer). Tanto não eram um grupo homogêneo que dele saiu o radical Gustave de Molinari.
Mas, por mais radical que fosse, Molinari não se via como nada além de um liberal consistente. Não se via como "anarquista". Isso não impediu, porém, que gente saída das linhas anarquistas viesse a defender idéias bastante parecidas com as dele. Eu tenho em mente os expoentes do anarco-individualismo americano, como Lysander Spooner e Benjamin R. Tucker (dentre vários outros, mas esses são considerados paradigmáticos dentre os anarco-individualistas dos EUA).
Eles, bem ao contrário do que predominava no anarquismo europeu, decidiram colocar ênfase no respeito à propriedade privada (com algumas diferenças em certos casos, como na questão da propriedade da terra para Benjamin Tucker), no comércio e na soberania do indivíduo.
Lysander Spooner via no estado o maior violador dos direitos naturais de propriedade concebível. Spooner considerava o estado pouco mais que uma máfia, organizada com o propósito exclusivo de explorar as pessoas. Tucker tinha uma visão semelhante da instituição, embora não compartilhasse da crença nos direitos naturais. Apesar disso, ele considerava o estado uma instituição anti-social, criadora de "monopólios" que mantinham os indivíduos em opressão e miséria.
Tanto Molinari quanto os anarco-individualistas americanos não passavam de figuras obscuras no século XIX. Eles teriam ficado virtualmente esquecidos até hoje se não tivessem sido resgatados a partir dos anos 1950 pelos anarco-capitalistas, dos quais os mais conhecidos são Murray N. Rothbard e David D. Friedman.
Rothbard expôs sua defesa da concorrência entre produtores de segurança no livroPower and Market, de 1970, onde também detalhou todos os efeitos deletérios da intervenção estatal na economia. Em For a New Liberty, lançado ao mundo em 1973, ele apresentou a defesa moral da sociedade livre, baseada na propriedade privada e nas trocas voluntárias. David D. Friedman, filho do famoso economista Milton Friedman, por outro lado, apresentou em The Machinery of Freedom (1970) uma defesa pragmática da sociedade sem estado. Para ele, uma anarquia "capitalista" seria capaz de prover tanto segurança quanto liberdade para todos.
Hoje em dia há toda sorte de pessoas associadas com o "movimento libertário" (principalmente o americano) que defende uma variante ou outra do anarquismo de mercado (e, cabe adicionar aqui, eu uso o termo "anarquismo de mercado" de forma ecumênica, para abrigar todos os grupos que defendem a propriedade privada e a abolição do estado, a despeito de outras diferenças que tenham entre si. Se eu utilizasse meramente a expressão "anarco-capitalismo", eu estaria alienando uma grande parte do movimento que não se identifica com o rótulo por um motivo ou por outro).
Há, entre outros, os anarco-capitalistas (dentre os quais se destacam os rothbardianos), os geoanarquistas (que diferem dos demais em suas concepções sobre a propriedade da terra), os agoristas (rothbardianos com visões particulares sobre a estratégia para alcançar uma sociedade livre) e até mesmo os anarco-individualistas mais clássicos (que fazem um revival das teorias dos velhos anarquistas americanos). De forma geral, há diversas justificativas éticas para a sociedade anárquica: deontológicas, contratualistas, conseqüencialistas, egoístas ou baseando-se na ética da virtude. Ao gosto do freguês.
Ok, mas a teoria que essa gente toda defende é correta ou viável?
Acredite, o que não faltou até hoje foram críticas ao anarquismo de mercado. Alguns criticaram a teoria moral dos direitos naturais, que exclui definitivamente a existência de um estado (por ser definido, à moda weberiana, como instituição que detém o monopólio da jurisdição sobre certo território e o poder de taxação). Outros criticaram a viabilidade prática do sistema. Tentarei abordar rapidamente aqui as objeções mais comuns e suas respostas anarquistas convencionais. Isto não significa, obviamente, que o debate esteja encerrado ou que algum dos lados possui uma resposta definitiva:
O estado não é ilegítimo: Às vezes se argumenta que a autoridade estatal não é ilegítima, porque, ao permanecer na jurisdição do estado, o indivíduo dá seu consentimento implicitamente ao seu poder. O problema, segundo os anarquistas, é que não há qualquer consentimento, já que o estado não é dono de todo o território do país. Um argumento semelhante diz que o indivíduo consente à autoridade do governo ao participar de eleições ou se envolver de outras maneiras com o estado. Da mesma forma, o consentimento dado aí é dúbio, já que o próprio estado impõe as condições do acordo - que não pode nem mesmo ser desfeito, ao contrário dos contratos comuns.
Sem o estado, haveria uma guerra de todos contra todos: A objeção hobbesiana (referente ao filósofo inglês Thomas Hobbes) contra a anarquia surge ocasionalmente. Os anarquistas de mercado tendem a responder que a ausência de um estado não significa ausência de leis e que, se os indivíduos possuem uma tendência natural para a violência, a própria existência do estado seria impossível, já que ele também é composto por indivíduos.
Agências de segurança privadas entrariam em guerra: Um dos mais conhecidos argumentos contra a concorrência de provedores de defesa e segurança. E uma das respostas mais comuns é mostrar que as guerras seriam menos prováveis entre agências de segurança do que entre estados, já que as agências, ao contrário dos governos, arcam com todo o ônus de suas aventuras beligerantes.
As disputas não poderiam ser resolvidas definitivamente: É claro que surgiriam disputas legais entre as pessoas, mesmo com a inexistência de um estado. Os anarquistas tendem a defender que as pessoas poderiam contratar livremente serviços de arbitragem. No entanto, críticos argumentam que, nesse caso, não existiria uma instância superior final que fosse capaz de decidir os casos de uma vez por todas. Segundo eles, um sistema de concorrência entre árbitros privados teria como resultado infinitos recursos, sem ser possível chegar numa resolução final. Anarquistas, contudo, mantêm que bastaria que essas questões fossem resolvidas antecipadamente entre os árbitros ou que as decisões fossem delegadas a uma terceira parte neutra.
Anarquia de mercado é impossível, não há propriedade privada sem governo: Essa é uma crítica comum das linhagens não-individualistas do anarquismo. Mas é muito mais fácil apontar para o fato de que o mais improvável é que toda a propriedade se torne pública sem a existência de um corpo jurídico unificado. Basta que as pessoas, como hoje em dia, aceitem e respeitem geralmente a propriedade privada para que ela exista. A propriedade privada não existe por decreto governamental, mas porque ela é ideologicamente aceita pela população. Sendo assim, mecanismos privados de defesa da propriedade tenderão a emergir.
Surgiria um novo governo: Algumas críticas afirmam que haveria uma tendência concentradora na sociedade anárquica (ganhos de escala na produção de defesa e segurança) que faria com que surgisse um novo estado. Os anarquistas afirmam que isso, embora possível, é improvável, já que não se verifica no mercado a mesma concentração que há no caso do monopólio compulsório estatal.
A segurança é um bem público: Este é um argumento mais técnico, que diz que a produção de segurança não pode ser limitada àqueles que de fato usufruem dos serviços ofertados. Os argumentos anarquistas em resposta variam entre a negação de que haja problemas de bens públicos relevantes (isto é, os indivíduos internalizam todos os custos relevantes da segurança que recebem) ou afirmam que o estado não resolve o problema, já que em vez de falhas de mercado teríamos que lidar com falhas de governo.
Por que eu deveria me importar com tudo isso?
O status quo causa enorme fascinação no imaginário das pessoas, mas se pararmos por alguns momentos para considerarmos o histórico de pobreza e violência causadas pelos estados no mundo todo, nós percebemos que talvez seja de fato necessária uma alternativa radical que acabe com a discussão viciada que vigora hoje em dia.
No caso do Brasil, por exemplo, apesar dos continuados fracassos do governo em prover algo que ao menos lembre vagamente serviços de qualidade, os políticos continuam sendo vistos como messias a cada eleição que passa. E isso apesar dos números calamitosos em literalmente todas as áreas. Aqui, o desemprego chega a passar dos 15% (níveis de países em profunda depressão econômica) e é tido como natural pelas pessoas, que enxergam em concursos públicos a maior esperança de um futuro decente. Sem falar das estatísticas sofríveis em saúde e educação, e da violência galopante no país. Isso tudo nos deveria fazer parar para pensar por um minuto e talvez perguntar "Por que não acabar com isso tudo?".
De fato, se substituíssemos a mão pesada do estado pela mão invisível do mercado, poderíamos combater a maioria desses problemas, senão todos. Sem as regulações do governo, o desemprego cairia dramaticamente e a economia entraria numa espiral de desenvolvimento. Sem bancos centrais e a manipulação da moeda perpetrada por eles, crises seriam muito mais raras e brandas. Sem desemprego, pobreza e o inútil combate às drogas, a violência cairia consideravelmente. A segurança seria custeada voluntariamente, seus serviços tenderiam a melhorar e seu preço cair, ficando acessível a todos - ao contrário do cenário atual, em que não há segurança para ninguém. Não haveria mais a gritante injustiça que ocorre a todos os momentos no mundo (principalmente em momentos de crise, como atualmente) do saque dos bolsos das pessoas em benefício de banqueiros e grandes empresas em geral. Seria o fim da burocracia e da plutocracia.
Além do mais, a sociedade anarquista é, acreditamos nós, a única compatível com os direitos indivíduais que formam a base do senso de justiça de todas as pessoas: a crença de que se deve submeter a todos às normas comuns do convívio social.
E mesmo para os não tão românticos, que não acreditam que temos a possibilidade de alcançar uma sociedade desse tipo em nossas vidas, por que não tê-la como ideal assintótico? Vamos nos aproximar dela o máximo possível? Dedique um tempo ao tema, eu espero.
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
A Concepção Anarquista do Sindicalismo – Neno Vasco
Como iremos nos ater em dois capítulos específicos – Anarquismo e Sindicalismo e O Automatismo Sindical, será necessário um intróito para contextualizar a época de feitura da obra e sua importância ao sindicalismo atual, com uma importante referência dentro do movimento anarquista.
Segue então.
1-Notas iniciais
A Concepção Anarquista do Sindicalismo foi feito por Gregório Nazianzeno Moreira de Queirós Vasconcelos, cujo o pseudônimo era Neno Vasco, mas não o terminou, vindo a falecer em 1920 por tuberculose, em Portugal. Sua obra inacabada levou três anos para ser publicada, apenas em 1923, em Lisboa, pelo Editorial d'A Batalha.
E foi umas das melhores contribuições ao movimento operário português e em menor instância, no Brasil.
Em uma retrospectiva geral sobre Neno Vasco, ele ficou no Brasil de 1900 até 1911, retornando a Portugal. No Brasil, foi editor de vários jornais e trocava correspondência direta com Malatesta, de grande impacto em suas obras. Como um indivíduo de seu tempo, escreve sobre o movimento sindical e sua relação intima com o anarquismo, que neste período está em crescimento, sendo a única referência concreta de luta para os trabalhadores em sua jornada emancipatória.
As características básicas do livro: levanta questões sobe o sindicalismo como movimento social e o anarquismo como ideologia e sua relação, já observando os processos revolucionários que isso acarreta.
A concepção de Neno Vasco é anarquista, isto é sem dogmas, sem doutrinação, mas não há consenso sobre esse assunto, há diversidades de opiniões.
O sindicalismo como tática para o anarquismo, e é muito mais que isso, é uma escolha estratégica por excelência, de importância para o projeto de transformação social. É uma instância de transformação de longo prazo; de dimensões sociais incomparáveis e assume um papel transformador por si só dentro do movimento social. Na história, toda vez que os anarquistas deixavam o movimento operário, igualmente as perspectivas concretas de revolução social deixa de ser prioridade.
A concepção de Neno Vasco : formaliza e teoriza prática das ações dominantes na época (década de XX) – fase expansiva do sindicalismo de influência anarquista que desde a década de 90 do século XIX, na França, Italia, Espanha, Portugal, Suécia, Estados Unidos, Argentina e em países em industrialização inicial, é preponderante o método anarco sindical. O sindicalismo revolucionário: ações coletivas e de iminência revolucionário. No Brasil é que forja suas convicções anarquistas e amplia seu ideário com o pensamento de Malatesta, e descrer das idéias de Kropotkin vindas da França, principalmente por causa da guerra e da Revolução Russa e do papel que Kropotkin assumiu.
Conceitos de Neno: Malatesta, com quase nenhuma divergência. Forma de escrita visando contextualização da prática e ideário anarquista. Certa rigidez de pensamento (ortodoxia) o que dificulta entender novas situações, e nem sempre é capaz de responder as exigência prática da ação política. Característica mais ética do que política, típica dos anarquistas.
Sobre o livro: introdução com apresentação da teoria anarquista, com destaque no anarquismo comunista (baseado em Malatesta e Kropotkin), de forma a citar os outros expoentes anarquistas de forma periférica.
A vertente anarquista mais considerada: a que mais marcou politicamente a história de seu tempo, oriundo do socialismo da 1ª AIT, vigorosa nos países latinos. Qualificada de revolucionária por excelência (não é educacionista, reformista, individualista). O que Anarco comunismo propõe: socialização da economia, dos meios de produção e de troca, e também a socialização do poder político: seu desaparecimento como centro de decisão governamental e sua dissolução por todo corpo social. Objetivo fundamental e como alcança-lo? Ação e organização direta das massas: aprender agir sem chefes nem intermediários. Fazer hoje, já anarquia.
Para Neno Vasco e Malatesta: o movimento sindical é anárquico desde o berço. A AIT foi essa grande mobilização de associações profissionais coligadas em promover o programa socialista. Os anti-autoritários na AIT lutaram para manter a autonomia e soberania das associações de base contra a tutela de teóricos e dirigentes.
Neno Vasco: “O que no sindicalismo é essencial é organização e ação de classe do proletariado, é o movimento sindical.” A necessidade de defenderem contra a exploração patronal é o que agrupam os operários. Não há ideais socialistas nisso. É pura autodefesa e sobrevivência. A luta direta contra os patrões, via greve ou outros meios de ação direta. A primazia da experiência imediata dos explorados como meio de auto-aprendizagem dum processo libertador é central no anarquismo comunista, como já o era na vertente anti-autoritária da AIT.
Limitação da ação sindical:
-Tentativa da Internacional fundir agrupamentos de ideias com grupos de interesse;
-Os sindicatos devem ter seu limite de ação e defesa dos interesses mediatos dos trabalhadores: salário e hora de trabalho (no método anarquista ao menos). Todos os sindicato são autônomos quanto a influência das escolas políticas.
-Com isso os torna contraditórios e imediatistas, com características economicistas e corporativistas. Contra isso, Neno Vasco e Malatesta propõem que os anarquistas sejam dentro dos sindicatos, os repositórios da autonomia, da ação direta e do anticapitalismo. Pelo motivo que não querem a direção dos sindicatos e nem dirigi-los, e muito menos atrela-los a interesses partidários, eles possuem o perfil para defesa dos sindicatos e atentos aos ataques dos inimigos dos trabalhadores, mantendo-os independentes e livres.
Os anarquistas devem ser sindicalistas, por ser um terreno fértil para o ideário libertário. Mas atentos a não impor aos sindicatos uma doutrina (a sua) ou um programa anarquista e também a não se tornar um ambiente liberal e burguês, perdendo sua característica de associação de resistência e formação revolucionária.
Dentro deste contexto, existe uma dialética entre movimento anarquista e movimento social do operariado, onde cada um tem seu próprio perfil e influenciando um ao outro. Isso acarreta uma interação entre anarquistas e os trabalhadores, um tanto quanto confusa, pois se dificulta a visualização de onde um movimento termina e começa o outro nesta relação. E acarreta ainda uma concepção de centralismo teórico, tendo o anarquismo como uma orientação “justa” ou “caminho correto”, levando a Neno Vasco a advertir contra as possíveis ações de subordinação a uma doutrina, ou com o pretexto de independência, não mais haver nenhuma discussão ideológica, sobre controle de uma minoria esclarecida.
Neno Vasco como Malatesta, atribui ao sindicato um papel de destaque na revolução social. Pois não consideram que o sistema capitalista gerará as contradições que o levará a derrocada. Será preciso mais organização, tanto com o povo em armas, como depois, nas necessidades iniciais do novo sistema, e esse papel é preponderantemente sindical, embora não oficialmente aceita, já que estão constituídos como unidades de resistência popular e com os conhecimentos profissionais necessários aos desafios do novo sistema. Isso corrobora com a Carta de Amiens sobre o sindicato “hoje grupo de resistência, será no futuro associação de produção e de distribuição, base da reorganização social”.
O modo anarquista de interpretar o sindicalismo: não é o único espaço de atuação anarquista, mas é um espaço importante para o anarquismo. É possível destacar:
-A magnitude da população colocada em movimento pela ação sindical (comparativamente com outras formas de ação);
-O processo continuo de formação e informação dos trabalhadores através de sindicato estruturado, criando condições de auto aprendizagem ao proletariado;
-As estruturas básicas para produção e distribuição após o processo revolucionário;
-O caráter classista da associações sindicais, formando uma nova moral que gira em torno do trabalho, dos produtivos contra o parasitismo explorador das elites e aproveitadores;
-A aceitação do internacionalismo proletário, antibelicismo e contra o intervencionismo dos políticos profissionais;
-Unificação dos trabalhadores através de núcleos independentes, para além das preferências ideológicas e partidárias;
-Valorização das ações sindicais diretas (a greve, a greve geral, o boicote, a sabotagem) contra as ações burocráticas e indiretas (mesas de negociação fechadas, representatividade, parlamentarismo, gerenciamento jurídico e governamental e políticos e partidos profissionais).
Isso descarta dois modelos de ações: as insurreições populares, organizadas por grupos secretos (como Bakunin incitava) e a propaganda pelo fato, que levou ao terrorismo e a ilegalidade do movimento. As organizações sindicais que levavam milhares de trabalhadores a lutar por sua emancipação, distanciando das ações controladoras e reformistas dos marxistas, tornava os dois modelos desnecessários.
Isso tudo no quadro ideológico, a prática e história mostra altos e baixos do movimento sindical, tanto em Portugal com no Brasil. Nos dois países a acensão e queda do movimento sindical livre e revolucionário é muito parecida. Em resumo até a década de 20 do século XX, os sindicatos de influência anarquistas eram preponderantes e com grande tolerância ideológica, o que significou ações conjuntas de anarquistas com socialistas de várias matizes. Com a Revolução Russa e suas repercussões, fragmenta o movimento operário, principalmente com a constituição dos primeiros partidos de caráter socialistas, que promoveram o rompimento com os sindicatos revolucionários e o seu fechamento, criações de sindicatos nos moldes partidários e reformistas, retirando as características combativas que ameaçavam os poderosos. Em uma década, o movimento sindical está quebrado, tanto pelas lutas internas promovidas pelos partidos como pelas ações repressoras dos governos burgueses. Isso leva o sindicalismo revolucionário, ao menos nestes dois países a um refluxo que dura já algumas décadas.
Anarquismo e sindicalismo -
I.O anarquismo é sindicalista desde o berço. O pensamento de Bakunin, Varlin, Lorenzo e seus amigos sobre o papel e o futuro das associações de resistência. - II. Evolução do anarquismo: quanto mais anarquista, mais sindicalista. A opinião de Malatesta. - III. Um recuo em França. Reata-se a tradição da Internacional. Pelloutier e o seu apelo aos anarquistas. - IV. A função social das Câmara do Trabalho ou Uniões locais de sindicatos operários na sociedade comunista libertária, segundo Pelloutier. - V. O militantes anarquistas no movimento operário e a sua influência.
O anarquismo moderno : “sindicalista” antes do termo, na AIT e associações internacionais, com influência de Bakunin > que une idéias marxistas + de Proudhon e socialistas franceses. Na AIT, a idéia predominante, nó vital do sindicalismo revolucionário, onde o sindicato operário (“caixa” ou “sociedade de resistência”) é o grupo essencial, o órgão especifico da luta de classe e o núcleo reorganizador da sociedade futura, é a organização – expropriada revolucionariamente a burguesia e destruído o seu órgão político, o Estado – manterá a continuidade da vida social, assegurando a produção do indispensável.
M. Bakunin – A emancipação dos trabalhadores por eles próprios, é a base da AIT, mas o mundo operário é ignorante, falta-lhe teoria. “Resta-lhe, portanto, uma única saída: é a emancipação pela prática. Qual pode e deve-ser essa prática? Não há mais do que uma: é da luta solidária dos operários contra os patrões. É a organização e a federação das caixas de resistência.”
“AIT estender-se á por todos os países, a fim que na revolução tenha um papel importante para o povo, uma organização internacional séria das associações em todos os países, capaz de substituir o mundo politico dos Estados e da burguesia”
Varlin – A sociedade corporativa merecem nossos incitamentos e simpatia, são os elementos naturais da edificação social do futuro; se tornam associações de produtores, de organizar a produção e usar as ferramentas sociais para isso. Lembrar a recomendação da AIT para todos os trabalhadores formarem caixas de resistência, para garantir o presente e preparar o futuro.
Eram os princípios do sindicalismo revolucionário, defendido nas seções federalistas da AIT.
Anselmo Lorenzo – A AIT já oferece o tipo de sociedade futura, e suas diversas instituições, com as modificações necessárias, constituirá a ordem social que mais tarde há-de reinar.
II
Com o desenvolvimento dos anarquistas, mais a importância acrescentam à organização e movimento operários. Quanto mais anarquistas, mais sindicalistas.
Um exemplo é Malatesta: desde 1871 na AIT, procura no movimento operário a base da força e garantia que a revolução seria deveras socialista e anarquista.
Depois da revolução ou insurreição, quem garantirá a produção para as necessidades básicas do povo? Os patrões não mais mandam, já não haveria produção? Se os trabalhadores estiverem organizados em seus setores, mesmo antes da revolução, poderão rapidamente substituir os patrões e deliberar sobre a produção, agir e garantir o abastecimento e distribuição das necessidades básicas do povo e suas. Não aguardem pois a organização de todos os trabalhadores para a revolução, o que é uma utopia e nem faze-la sem ninguém o que é igualmente uma outra utopia. É necessário que aja núcleos prontos e que aglutinem o povo de forma a ampliar as ações igualitárias e libertárias. Um meio termo para isso é necessário.
III
Período de retrocesso, o fim do século XIX, com aumento da repressão e isolamento dos grupos e indivíduos anarquistas, atacando-se mutuamente e disputando “filatelias” inúteis. Mas já no início do século XX, há um novo crescimento dos sindicatos revolucionários ou anarquismo operário. Um de seus expoentes é Pelloutier.
Pelloutier- No Congresso do Partido Socialista Francês, pressente o perigo totalitário, quando pregam a unidade do movimento, o que é contrário a autonomia anarquista e seus métodos descentralizados. “Os sindicatos têm há alguns anos para cá uma altíssima e nobilíssima ambição. Julgam ter uma missão social a cumprir e, em vez de considerar quer como simples quadros do exército revolucionário, pretendem, além disso, semear na própria sociedade capitalista o germe dos grupos livres de produtores, pelos quais parece dever realizar a nossa concepção comunista e anarquista.”
IV
Pelloutier -(abolição do valor de troca) resta instituir as associações de produtores, associações livres, abertas, limitadas de acordo com os interesses dos associados, mas sem a pressão ou coerção da violência coletiva.
Organização sindical é concordante com Anarcomunismo no sentido: ação conforme a necessidade.
“Cada vez mais ali se sente a necessidade, ali se experimenta o desejo de administrar directamente os interesses próprios; ali se pensa nas oficinas livres onde a autoridade tenha sobre a tarefa dos trabalhadores numa sociedade harmônica, indicações de maravilhosa largueza de vistas, fornecidos pelos próprios trabalhadores.”
“A missão das organizações de trabalho: têm por fim investigar, não só o número das profissões de cada região, a quantidade dos produtos colhidos, fabricados ou extraídos, a quantidade de produtos necessária a alimentação e a conservação, a soma de trabalho indispensável á manutenção do equilíbrio entre produção e consumo, mas ainda as causas tão variadas por vezes incompreensíveis da depreciação dos salários, a solução dos perpétuos conflitos entre Capital e Trabalho; fazer, numa palavra, muitos estudos absorventes, que exigidos pela existência do Capital, com este despareceriam; fazer, numa palavra, muitos estudos absorventes, que exigidos pela existência do Capital, com estes desapareceriam.”
V
O socialismo anarquista torna-se movimento popular, método de ação e de organização com problemas inerente a isso. Idealistas como Bakunin, Jukovsky, James Gulheume, Schiwitzguébel, Spichiger, Herzig, Peron, Cafiero, Malatesta, Covelli, Eliseu Reclús, Brousse, Robin, Varlin, Anselmo Lorenzo, Farga Pellicer, Kropotikin (AIT), divulgam e defende-o.
Da França ao mundo, o sindicalismo revolucionário com os mesmos ideais da AIT: luta de classes livre de compromisso partidário; autonomia; ação direta, livre federalismo; gerencia direta da produção pelos próprios produtores etc.
Em terreno menos fecundos são quase só os anarquistas os iniciadores e propagadores do sindicalismo revolucionário entre o povo produtor.
A Independência Sindical
I-A Independência do movimento operário e a internacional, grupo de interesses e idéias. A discussão, no Congresso de 1866, sobre este dualismo e sobre a qualidade dos delegados aos congressos. II- Na Internacional Federalista. Os debates do Congresso de 1873. Trabalhadores manuais e trabalhadores intelectuais: errônea proposição do problema. Propõe-se sem resultado a formação de seções especiais para os intelectuais de origem burguesa. No Congresso de Berna (1876): o que nele diz Malatesta. -III. Os anarquistas apercebem-se do erro da confusão de órgãos para luta econômica e para luta política e de ideais. Bakunin. Malatesta. As causas da morte da Internacional. IV- O que no sindicalismo é essencial. As bases de acordo oferecidos por ele.
A AIT, não compreendeu e nem realizou integralmente a independência do movimento operário. A AIT: considera que trabalhador é o próprio obreiro de sua emancipação. Sendo sumetido ao capital, fonte de sua sujeição, é por onde deve ser sua emancipação economica, e onde todo movimento político deve se submeter.
Resultados: ações indiretas -ação política exorbitando dos meios e formas de ação operária. Exemplo: a tática eleitoral e parlamentar, por mais operária que a dissessem, corrompia e dividia os trabalhadores, trazendo para o movimento os homens, as idéias, a moral, os processos das classes médias, ou pelo menos os desunia e afugentava, com a tática insurrecional, não podia ser senão meio de ação de uma minoria generosa.
Sobre o acesso a AIT: ela é o amalgama de várias classes, qualquer um que se aceitava socialista. Isso causou conflitos pois, as concepções burguesas poderiam preponderar. A emancipação dos trabalhadores, proletários é sua obra e devem desenvolver suas ações de forma livre e independente, “Bastante avançados para andar com nossos próprios pés”. Tolain
II
Uma redação possível: “Não farão parte da Internacional senão os trabalhadores agrupados no terreno dos seus interesses profissionais e de classe.”
É certo desconfiar das “profissões burguesas/liberais” - é necessário discernir entre profissões opressoras/exploradoras das que não são: trabalhadores intelectuais : que ingressam como profissionais e não em torno de princípios.
Algumas propostas giraram em formar seções a aparte com apenas os “intelectuais”, o que poderia facilitar a entrada de aventureiros e politicantes.
Malatesta: “...entendemos que a Internacional não deve ser uma associação exclusivamente operária; o fim da revolução social, com efeito, não é só a emancipação da classe operária, mas a emancipação da humanidade, e a AIT, que é o exército revolucionário, deve agrupar sob a sua bandeira todos os revolucionários sem distinção de classe.”
III
Os anarquistas pela experiência, se fizeram “partidários” da neutralidade das associações de resistência e da sua completa independência perante qualquer partido ou movimento político ou de idéias.
Bakunin: Como burguês, ele apenas fez propaganda. Se mais novo fosse, uniria-se aos operários, fazendo-se um deles. A emancipação, aluta de libertação é obra dos próprios explorados e oprimidos. AIT já tem todas as idéias necessárias, agora falta ação e fatos, é a organização das forças do proletariado, feita pór ele mesmo.
Malatesta: Avalia que AIT morreu pelo fato de ter uma grande miriade de ideais, um grande guarda-chuva das concepções socialistas, republicanas, democratas se chocaram e se contradiziam na ação.
“O elementos mais avançados estudaram, discutiram, descobriram as necessidades do povo, formularam em programa concreto as vagas intuições da massa, afirmaram o socialismo, afirmaram a anarquia, vaticinaram e preparam o futuro; - mas mataram a AIT: a espada havia rompido a bainha.”
“Mas digo que hoje não se pode, nem se deve, refazer a AIT de outros tempos. Hoje há movimentos socialistas e anarquistas bem desenvolvidos: hoje já não são possíveis a ilusão e equívoco de que viveu a velha AIT.”
“A nova AIT só pode ser uma associação destinada a reunir todos os operários (isto é, o maior número possível) sem distinção de opiniões sociais, políticas e religiosas para luta contra o capitalismo, e por isso não deve ser nem individualista, nem coletivista, nem comunista; não deve ser nem monárquica, nem republicana, nem anarquista; não deve ser nem religiosa nem ati-religiosa. Única idéia comum, única condição de admissão: querer combater os patrões. O ódio ao patronato é o princípio da salvação.”
“Se depois, iluminada pela propaganda, ensinada pela luta remontar às causas dos males e a buscar-lhes os remédios radicais, esporeada pelo exemplo dos partidos revolucionários, a massa associada irrompe em afirmações socialistas, anarquistas, anti religiosas tanto melhor o progresso seria então real e não ilusório.”
IV
Essencial no sindicalismo: organização e ação de classe do proletariado, o movimento sindical. Os operários se juntam não por ideais, mas porque são assalariados e precisam lutar contra os patrões, agrupam-se em sindicatos (sociedades de resistência), fora de qualquer partido político, como aliás as associações econômicas da própria burguesia.
A greve como elemento básico dos trabalhadores, unidos por seus interesses econômicos e a defesa deles.
“Desses meios de ação direta, são partidários todos operários, sejam quais forem as suas idéias políticas, sociais ou mesmo religiosas; e portanto todos se podem e devem reunir nos sindicatos para o exercício dessa ação, fazendo cada um, cá fora, se quiser, parte deste ou daquele partido ou seita.”
“Mas para entrar no sindicato, é necessário e suficiente ser assalariado da perspectiva indústria e querer resistir aos patrões. Não se pede adesão a um programa de transformação social.”
As várias vertentes socialistas esperam do sindicalismo muita coisa, criam concepções e espectativas sobre o meio sindical e dos trabalhadores ligados a eles.
Porém nenhuma delas deve ser a doutrina oficial do sindicato, ou construir condição de entrada nesse agrupamento.
“Os anarquistas conscientes não pretendem que um sindicato se declare artificialmente anarquista. Se o fizessem, ou só fiariam nele os anarquistas, passando a ser um grupo de idéias, como os outros grupos anarquistas, sem ter, portanto a utilidade particular do agrupamento de interesses, do sindicato; ou o sindicato só seria anarquista de nome, por artifício autoritário -isto é, seria menos anarquista quando tal se declarasse. E se a doutrina adotada fosse um conjunto, velho ou novo, de fórmulas, de teorias e previsões otimistas, bem ou mal fundadas sobre o movimento sindical, chamasse-se embora “sindicalismo” a essa teoria, ainda se iria contra o verdadeiro sindicalismo, pois não teriam lugar no sindicato os operários que não a professassem, republicanos, sociais-democratas, anarquistas, etc. Seria um novo partido político, não a classe operária organizada.”
“Dentro do sindicato, a ação de resistência; fora dele, cada um completará essa ação a seu modo, segundo as suas concepções políticas ou as suas preferências eleitorais.”
“Não confundamos órgãos e funções, não estorvemos uns com os outros!”(pag. 93)
Que se separe as coisas, mas se for ... “um assalariado, sujeito à exploração capitalista, venha para sindicato, a fim de nele defender os seus interesses, com os meios dependentes da sua condição de produtor e próprios do grupo sindical – pois que cada agrupamento, cooperativo, mutualista, político, etc., tem os seus meios específicos, adequados ao seu fim.”
“O resto (métodos, formas de organização, minúcias de tática, graus de ação) deixemo-lo à experiência da vida operária, à lição dos fatos e das necessidades da luta e ao embate leal e sincero dos princípios e das tendências.”(pag. 94)
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